Mas também passarinho é uma vírgula pontuando o céu. Eu ensaiava ler as perguntas que preenchiam o azul vazio e os pássaros virgulavam. Descobri ser uma língua estrangeira a voz dos pássaros, e embaraçava-me. Então, subvertia respostas para tapear meu desconsolo. Não ter resposta é confirmar-se ausente. Viver exige perguntas e eu, mudo, não sabia responder.
Também pela superfície profunda da pele a memória se faz palavra. No roçar do frio as lembranças das mãos do amor desanuviam-se. Na água morna que enxágua o corpo nasce um desejo de desnascer. É atravessando os poros que sua voz, em música, alcança meus ouvidos. O aço frio da faca afiada encrespa-me da carne à alma.
A mãe colhia singelos buquês de flores e sepultava aos pés de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Imagem de gesso, colada com grude de polvilho — de muito tombar — na quina do quarto. Às vezes, uma vela permanecia acesa, sem pecado para queimar-se.
Comemorava-se uma graça ainda por chegar. Só as rosas não se intrometiam nessa indesvendável promessa. Desconheço o motivo, se pavor do espinho ou da dor. Agora, com sua ferida cicatrizada, ela nos deixou entre rosas, já sem medo dos espinhos, sem respirar o perfume, sem reparar nas cores.
Bartolomeu Campos de Queirós, "Vermelho Amargo"
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