– Para mim, vô? Por que isso?
– Era surpresa. Gosto de dar um dinheiro inesperado. E você não deve bisbilhotar o que outros estão fazendo.
– Bisbilhotar? Cada palavra que você usa de vez em quando!
– Tenho outras. Escolha: curioso, metido, intrometido, enxerido, abelhudo, fuinha, meter-se onde não é chamado, indiscreto…
– Por que não me deu o dinheiro aqui?
– Para você ir aprendendo a trabalhar com banco. Ninguém mais guarda dinheiro em casa.
– Ah, é? E o que você guarda naquele livro ali?
Sorri. Pensei: ali deixo algumas notas para emergência, não sei por quê; resquício sofisticado do primitivo costume de guardar dinheiro no colchão. Às vezes me esqueço, encontro meses e meses depois, é uma alegria.
– Descobriu, é? Não disse que você é metido?
– Todo mundo na casa sabe desse dinheiro no livro. Você quase nunca mais foi ao banco, vô. Não gosta?
– Não, não é isso. Até que vez ou outra vou, mas sempre uso caixa de conveniência. Tem um ao lado de praticamente cada ser humano; é muito cômodo, prático. Dia desses vai ter caixa eletrônico no hall de cada edifício, quem sabe até no andar em que moramos.
– Qualquer dia, nem vai precisar de dinheiro. Vai ser tudo no cartão e na senha.
– Já é no dedo, na palma da mão.
– Muito mais higiênico, saudável.
– Ah, quando me lembro dos bancos nos anos 40!…
– Era diferente, vô? Melhor?
– Os prédios pareciam templos, museus. Solenes, fechados, severos, as agência decoradas em madeira de lei, escura. Alguns tinham vitrais imensos, caríssimos, feitos por vidreiros alemães. Bonitos, reconheço. Mas só para uma parte da população. De alguma maneira, as agências intimidavam; nunca se via povão como hoje. E havia um ritual para sacar o dinheiro.
– Ritual?
– Normas, digamos. Hoje você chega, vai direto ao caixa eletrônico ou apanha senha no banco, é atendido. Naquele tempo, não…
– Alguns… Ou muitos… Tem gente que ficou amarrada no tempo, ficou para trás… O passado, meu neto, o passado é este minuto em que estamos falando, lembrado daqui a dois minutos. O passado é construído a cada momento…
– É, está certo. Mas o futuro também. A cada segundo, milésimo de segundo, estamos com o pé no futuro…
– Sabe de uma coisa? Acho que até vou aumentar a quantia desta transferência. Você é rápido, Pedro.
– Adorei, vô Ignácio! Mas conta: como era sacar o dinheiro?
Contei, porque fui tanto a banco! A pessoa chegava a um balcão, entregava o cheque a um atendente. Se fosse saque pessoal, precisava mostrar a identidade. Recebia uma ficha de metal, oval ou retangular, pesada. Ia para outra fila ou esperava sentada num banco – ou em pé mesmo –, rondando os caixas, que ficavam atrás de guichês com grades. Em geral grades douradas, brilhantes – as faxineiras passavam sapólio toda manhã. Enquanto isso, o bancário conferia a assinatura do cheque num livro grande ou em fichas dispostas em arquivos de madeira ou aço. Fazia uma pequena marcação, um OK, e passava a outro funcionário, que consultava o saldo da pessoa. Conferia e já anotava o cheque, a quantia, a retirada e o saldo que restava na conta. Passava o cheque a um terceiro, que rubricava e levava ao caixa. Este conferia o documento – como diziam –, chamava o número do cliente, pagava. Havia uma coisa notável naquele tempo… Repito, naquele tempo. Pessoas levavam sacola, ou caixa de sapato, tal a quantia sacada. Colocavam tudo ali e saíam para rua, frescos e maneiros. Por outro lado, vez ou outra havia longa espera, porque o sujeito vinha depositar imensas quantias em notas e o caixa ficava ali conferindo, somando. Eu me lembro de sacos de dinheiro na boca do caixa. Via-se de tudo, notas amassadas, amarfanhadas, engorduradas. Hoje é tudo mais saudável, asséptico.
– O salto foi gigantesco, Pedro. A modernidade iluminou as agências: tudo é branco, espaços foram ampliados, dessacralizados. Democratizou-se o banco.
– Tudo demorava?
– Também não havia pressa. O tempo parecia mais longo.
– Mas me diz duas coisas: o que é sapólio? E pede ao meu pai para aumentar meu limite? Pode ser?
Ignácio de Loyola Brandão
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