Dramaturgo e político português, Amílcar da Silva Ramada
Curto (1886-1961) em uma das suas crônicas do “Diário de José Maria”, fala das
férias que o “professor livre de ensino secundário, floricultor e filósofo”
tirou, em 35 anos, e aproveitou para cuidar da biblioteca.
“Os meus livros! Durante estes
anos todos, consegui alinhar uns mil volumes, que fazem vista nas três velhas
estantes de mogno. Há de tudo: literatura, viagens, livros de estampas
reproduzindo as obras dos museus. Poetas tenho os clássicos e os românticos: o
Hugo, o Musset, e todos os nossos – do tempo em que nós tínhamos poetas que se
entendiam e escreviam em verso”.
José Maria, com o “casaquito de seda crua, que um discípulo
grato e amigo me mandou da Índia, e estou fresco e bem disposto”, resolveu que
não faria festas ao canário ou se renderia ao companheiro: um cão fox.
“(...) Me levantei hoje com a intenção
decidida de arrumar as minhas estantes, que têm muitos volumes fora do seu
lugar, estão vergonhosamente desorden
adas.
(...) Gosto de arrumar livros. Levo um tempo
infinito. Tiro um da prateleira, abro-o e, irresistivelmente, leio umas linhas.
Atrás das linhas, se o assunto me interessa vai uma página. Sem eu dar por
isso, encontro-me sentado, a ler, atentamente, com as estantes mais
desarrumadas, à espera que eu continue.
Este que me veio agora à mão,
por exemplo. Comprei-o no meu quinto ano em Coimbra, tem sinais de leitura
atenta, notas a lápis. Sento-me numa cadeira ao pé do Bob (o cachorro), para
lhe deixar a minha, e continuo a leitura.”
A arrumação das estantes não se completa e José Maria, em “O
meu cão, os meus livros e uma nuvem”, acaba por divagar em considerações sobre
os livros que ia retirando para limpeza. Ao fim, se rende ao almoço e ao sol
lisboeta.
“E olhando para o céu verifiquei
que a nuvenzita branca se desfizera – como se desfazem todas as certezas
humanas”.
Inclusive as de muito se programar uma limpeza na biblioteca.
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