Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o
seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a
aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor.
Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar é-nos subtraído em grande parte.
Isso explica o sensível alívio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar
com os nossos pensamentos para passar à leitura. Porém, enquanto lemos, a nossa
cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando
estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante
quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar,
pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo - como alguém que
sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal é a situação de muitos
eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente,
retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espírito mais do que o
trabalho manual contínuo, visto que, na execução deste último, é possível
entregar-se aos seus próprios pensamentos.
No entanto, como uma mola que, pela pressão constante
acarretada por meio de um corpo estranho, acaba por perder a sua elasticidade,
também o espírito perde a sua devido à imposição contínua de pensamentos
alheios. E, do mesmo modo como uma alimentação excessiva causa indigestão e, consequentemente,
prejudica o corpo inteiro, pode-se também sobrecarregar e sufocar o espírito
com uma alimentação mental excessiva.
Pois, quanto mais se lê, menos vestígios deixa no espírito
aquilo que se leu: a mente transforma-se em algo semelhante a uma lousa, à qual
encontram-se escritas muitas palavras, umas sobre as outras. Por isso, não se
chega à ruminação (ou melhor, o afluxo intenso e contínuo do conteúdo de novas
leituras serve apenas para acelerar o esquecimento do que se leu
anteriormente): entretanto, apenas esta permite assimilar o que foi lido, do
mesmo modo como os alimentos nos nutrem não porque os comemos, mas porque os
digerimos. Se, ao contrário, lê-se continuadamente, sem mais tarde pensar a
respeito do que se leu, o conteúdo da leitura não cria raízes e, na maioria das
vezes, perde-se. Em geral, o processamento da alimentação mental não difere
daquele da alimentação corporal: apenas a cinquentésima parte do que se consome
chega a ser assimilada; o restante é eliminado por meio da evaporação, da
respiração ou similares.
A tudo isso soma-se o fato de que os pensamentos transportados
para o papel não são nada além de uma pegada na areia: pode-se até ver o
caminho percorrido; no entanto, para saber o que tal pessoa viu ao caminhar, é
preciso usar os próprios olhos.
Arthur Schopenhauer, in 'Da Leitura e dos Livros'
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