– Os tiros vararam a porta. O ladrão teve muita sorte. Por incrível que pudesse parecer não foi atingido por uma bala – disse meu pai ao vizinho no outro dia. Saiu correndo apavorado pelo pátio estreito, dando um salto ligeiro feito macaco para alcançar o muro que separava nossa casa do quintal do vizinho, nos fundos.
Falei aos amigos como o pai tinha enfrentado o ladrão. Contei que não tive medo em nenhum momento quando acordei com os tiros que meu pai desferiu contra o bicho. Disse que peguei no cabo da vassoura, fiquei abaixado atrás da mesa, à espera da hora certa para bater nele, caso os tiros desferidos por meu pai não atingissem o bandido e ele conseguisse entrar lá em casa. Claro que não ia deixar que o monstro ferisse meu pai ou minha mãe com alguma faca. Estava disposto a dar uns socos bem fortes e quebrar o nariz dele, como uma vez vi no filme Roy Rogers fazer quando prendeu o bandido, depois de lhe aplicar uma boa surra.
A pior hora do dia agora era quando anoitecia. A sombra do ladrão acompanhava-me por todos os cantos da casa. Recolhia-me inquieto ao quarto para dormir. Não conseguia pegar no sono e, quando cochilava, acordava sobressaltado, chamando minha mãe para ficar junto de mim. Falava do meu quarto que o ladrão estava forçando a porta dos fundos, querendo entrar na sala. Ela vinha até o quarto para me acalmar, dizendo que tudo era impressão minha, o ladrão nunca ia voltar para tentar entrar lá em casa outra vez depois do perigo que passou.
Minha mãe resolveu me mandar passar uns dias com tia Bebé, em Ilhéus, cidade vizinha, que tinha praias belíssimas. Um porto ativo com embarcações entrando e saindo pelo canal. E até navio com bueiro que soltava fumaça quando estava atracado no porto. Apitava quando estava saindo ou entrando na baía. Era bonito de escutar e ver o navio apitando feito um bicho enorme do outro mundo.
Regressei duas semanas depois. Fiquei sabendo que a caneta Parker de meu pai, sumida antes de o ladrão tentar entrar lá em casa, foi achada no pátio. Minha mãe estava varrendo a terra dos vasos de planta que o ladrão havia quebrado na fuga. Meu pai ficou surpreso, como minha mãe, quando viu a caneta Parker. Ninguém falava mais em seu sumiço, ocorrido lá em casa no mês de junho. Suspeitava-se de que tinha sido roubada pela empregada Francisca.
Meu pai contou ao delegado como a caneta Parker havia aparecido no pátio depois da fuga do ladrão. O delegado Arnaldo Gigante soltou uma boa risada quando acabou de saber todos os detalhes do aparecimento da caneta. Sabia que uma coisa estava ligada ao ladrão. A sorte estava ajudando-o a pegar de uma só vez dois coelhos naquela caçada. Ele conhecia o marido da empregada, um ladrão perigoso, com várias entradas na delegacia. Daí chegando-se até o bandido, o delegado deu uns apertos nele para que confessasse tudo, o que não foi difícil.
O ladrão declarou que queria entrar lá em casa para roubar várias coisas e se vingar de meu pai e minha mãe pelo roubo frustrado da caneta Parker. A mulher dele tinha roubado a caneta quando minha mãe foi para a novena na igreja de Santo Antonio, no mês de junho, e meu pai estava jogando sinuca no bar. Dias depois, ela ia sair com a caneta Parker enfiada no sutiã quando chegou o soldado Hilário. Com medo de tudo ser descoberto naquele momento, ela tirou a caneta escondida no sutiã, enfiando-a apressada em um dos vasos de planta junto ao muro..
Fiquei contente com a descoberta do ladrão, que foi recolhido à cadeia pelo soldado Hilário. Embora já tivesse esquecido que um ladrão perigoso, marido de uma ex-empregada, uma noite quis entrar lá em casa. Tirou-me o sono várias vezes seguidas e, no seu lugar, trouxe-me a noite circulando pelos cômodos com suas sombras vagarosas.
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