quinta-feira, outubro 31

Envelhecer com graça

Ficou sentada, ouvindo o silêncio. Um pardal trilou.

Pensou: vou dar uma olhada naquele poema provençal de Pound; isso, afinal, não se pode chamar de trabalho.

Em cima da mesa havia pilhas de livros de referência, pastas de recortes e, de um dos lados, estantes que subiam até o teto. O livro estava aberto, ao lado do computador.

Envelhecer com graça… é só seguir os marcos do caminho. Pode-se dizer que as instruções estão contidas num roteiro invisível que pouco a pouco vai se tornando legível, à medida que a vida o vai expondo. Então, é só dizer as palavras adequadas. No fim das contas os velhos não se dão mal. O orgulho é uma grande coisa, e as atitudes e estoicismos necessários vêm fáceis, porque os jovens não sabem — isso lhes é ocultado — que a carne murcha em torno de um cerne imutável. Os velhos compartilham ironias próprias a fantasmas num festim, em que um enxerga o outro, invisíveis para os outros convidados, cujas posturas e expressões observam, sorrindo, recordando.

A maioria das pessoas em vias de envelhecimento assinaria embaixo desse conjunto de frases plácidas, cheias de autorrespeito, sentindo-se bem representada e até mesmo defendida por elas.

É, concordo com isso, pensou Sarah. Sarah Durham. Um nome bem sensato para uma mulher sensata.

O livro onde encontrou essas frases fora comprado na banca de uma feira ao ar livre, memórias de uma moça da sociedade antes famosa pela beleza, escrito em sua velhice e publicado quando a autora era quase centenária, vinte anos atrás. Estranho ter escolhido esse livro, pensou Sarah. Houve tempo em que nem abriria um livro escrito por um velho: nada a ver com ela, pensaria. Mas existe algo mais estranho do que o modo como os livros que refletem nossa condição ou estágio da vida acabam se insinuando em nossas mãos?

Afastou o livro, pensou que os versos de Pound podiam ficar para depois, e resolveu gozar uma noite em que nada se devia esperar de sua parte. Uma noite de abril, o céu ainda claro. Aquela sala era calma, geralmente calmante e, assim como os três outros cômodos do apartamento, guardava trinta anos de memórias. Salas onde se viveu muito tempo acabam parecendo praias sujas: difícil saber de onde veio este ou aquele caco.
Doris Lessing, "Amor, de novo"

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