O maluco da minha rua
O maluco da minha rua estava hoje menos maluco. Chegou, falando alto e fazendo ouvir evidências que ninguém comenta, a falta de sol, o excessivo vagar do feriado, mas abdicou dos insultos e do calão mais negro.
Entrou no café e comprou 3 euros de sonhos. Apreçou o leitão. Dezanove euros e oitenta e cinco cêntimos. Inconseguiu. Saiu, sorrindo. Até a mim me sorriu, e eu de volta, a medo, enquanto pensava que o Natal tem o poder de curar temporariamente certos malucos. Também se pode dar o caso de agravar a doença, mas não é o caso na minha rua, onde não há dinheiro para nos darmos ao luxo de sentir tristezas, nostalgias, sofrimentos e depressões. Aqui, trabalha-se, levam-se os filhos à escola, faz-se o jantar, dorme-se, trabalha-se mais e é-se feliz à razão de 600 euros mensais. Com sorte. Nas horas da lazer bebem-se cafés ou minis na esplanada do café, haja ou não sol. O mundo está cheio de lugares maravilhosos, mas este é o melhor.
Talvez o milagre do Natal seja o de conseguir que por um dia voltemos a ser a criança que um dia nasceu. A criança sem cultura nem mancha. A matéria pura e primeira que continua viva dentro de nós e que nem a loucura pode apagar.O maluco da minha rua é esse milagre.
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