Vinicius de Morais (sentado), Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Fernando Sabino (ao centro, da esq. para a dir.) e Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, e Carlinhos Oliveira (ao fundo) na cobertura de Braga em Ipanema |
Nunca haverá um time de cronistas como esse. E não apenas pelo talento individual, mas também pela sintonia do conjunto: Stanislaw era o engraçado; Carlinhos, o melancólico; Vinicius, o bem relacionado; Sabino, o profissional; Mendes Campos, o lírico erudito; e Braga, o aglutinador, apesar da fama de retraído. Dava liga.
A fundação da Sabiá, que veio oficialmente à luz naquele dia, é o amadurecimento dessa relação que começara nos anos 1940. Duas décadas mais tarde, depois de se separarem da Editora do Autor, onde alguns membros do sexteto haviam publicado seus primeiros livros de crônica, Braga e Sabino resolveram criar uma casa editorial para publicar seus amigos — e também outras obras, como o best-seller "Cem anos de solidão". O nome da empresa veio da alcunha de Braga, o Sabiá da Crônica.
Com a morte de todos os integrantes do sexteto, a foto não poderia ser reproduzida hoje — e, mesmo que pudesse, esbarraria nas normas de distanciamento social. Mas alguns elementos ajudam a reconstituir aquele dia em nossa imaginação. Em um dos clichês, por exemplo, vê-se um binóculo pousado em uma mesinha. Provavelmente alguém o usou e o deixou em pé. Hoje com 89 anos, Paulo Garcez confirmou: era um bom dia para observar o mar ao longe — naquela época, ainda visível do alto da cobertura de Braga, em Ipanema.<
“A sintonia perfeita entre os Sabiás ia além das relações pessoais. O grupo conversava por meio de suas crônicas. ‘Quando um escrevia
uma crônica bárbara, o outro tentava superar’, disse Augusto Massi, organizador da obra”
O fotógrafo conhecia os autores das mesas do Antonio’s. Era especialmente amigo de Braga, que em certa crônica o descreveu como “um tanto moroso, tanto para bater a foto quanto para entregar a chapa”. Ele contou que começou a clicar no início da tarde, logo depois do almoço. Fez as fotos posadas de divulgação (como a da estátua) e depois ficou escondido, capturando momentos espontâneos e informais, onde o pessoal aparece com o nó da gravata solto e aquele ar relaxado. Nessas outras imagens, menos conhecidas, nota-se a presença de um jovem Chico Buarque, sempre perto de Vinicius. Seu nome aparecia constantemente nas crônicas do sexteto, e ele próprio lançaria o seu "Roda viva" pela Sabiá no ano seguinte. Uma nota da revista O Cruzeiro daquele novembro de 1967 relata que, ao ver Garcez apontar a câmera, Carlinhos Oliveira teria exclamado: “E vai sair o sabiá!”. Mas o fotógrafo, que em 1969 se tornaria editor de fotografia do Pasquim, negou a anedota. “De onde você tirou isso?”, irritou-se, em entrevista por telefone. “Pessoal inventa cada coisa.”
Ele também não confirmou que a estátua de Ceschiatti estava ali para “representar” João Cabral de Melo Neto, conforme brincou um anúncio da própria Sabiá na época. O pernambucano, que lançou uma segunda edição de "Morte e vida Severina" pela editora, estava em Barcelona e não pôde comparecer ao convescote. “Nunca colocaria uma estátua no lugar dele”, reagiu Garcez, que já conseguiu o feito de fotografar Cabral (“o homem que nunca ri”) sorrindo e é reconhecido como grande frasista. Uma de suas frases mais famosas é: “Quando a mulher tira a roupa no quarto, já está 1 a 0 para ela”.
Visível nas imagens de Garcez, a sintonia perfeita entre os sabiás ia além das relações pessoais. O organizador dos textos de "Os sabiás da crônica", Augusto Massi, observou que o grupo conversava “através de suas crônicas”. O professor de literatura da USP e ex-editor da Cosac Naify leu todas as crônicas do sexteto para o livro e se surpreendeu ao perceber o conjunto coeso que formam entre si. E não apenas porque os autores tratavam, quase sempre, dos mesmos temas. “Eles registram as mesmas transformações do país, como a mudança da casa para o apartamento ou a evolução da vida noturna”, disse Massi. “Cada um vai encontrando sua voz dentro disso, mas há ao mesmo tempo uma organicidade, uma coesão, uma linguagem interna muito forte. É curioso como mantinham uma concorrência amistosa e saudável. Quando um escrevia uma crônica bárbara, o outro tentava superar.”
Por mais que essas imagens tenham ficado em um outro Brasil e em um mundo pré-pandemia, Maria Amélia Mello garante que não há saudosismo em seu projeto. “É outra coisa. É a beleza de ver esses autores que sempre estiveram juntos na vida e que construíram uma produção cultural se baseando na própria amizade”, explicou.
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