Afrooz Gholizadeh |
Na véspera, Gérson, Arrascaeta, Éverton Ribeiro, Bruno Henrique e Gabigol tinham esmagado mais um. Na tarde seguinte, fomos a uma roda de choro numa praça, e, à noite, à inauguração de uma pequena livraria de rua, em que as pessoas riam e se abraçavam ao se rever. E, então, voltamos para casa. Onde estamos desde então —há exatamente um mês.
Por algum motivo, houve um alerta naquele fim de semana. Ninguém de nossas relações caiu doente, mas foi como se, de repente, os tambores tivessem ficado próximos, o Brasil perdesse a inocência e despertássemos para o inimigo do qual os outros países já estavam tentando se proteger. Nunca mais saímos.
Os saraus de música em casa, o futebol pela TV do botequim, na calçada, entre pessoas que nunca vimos, e as tardes e noites na rua, tudo isso parece agora pertencer a outra era, uma era mágica. E, no entanto, era tão natural quanto respirar e, por ser assim, nunca tínhamos pensado a respeito. Nem poderíamos —não existia uma possibilidade contrária. Como imaginar que, subitamente, olhando para trás, aquilo nos pareceria tão remoto? E foi outro dia mesmo.
Surgem pensamentos sombrios. E se naqueles últimos dias já houvesse risco de contágio? E se estivéssemos nos passando mutuamente o inimigo? Claro que nada aconteceu. Mas a cabeça é espírito de porco e vive de pensar.
Inclusive sobre o futuro, que não lhe compete. Passada a pandemia, quando nos sentiremos de novo confiantes para receber amigos? Quando voltaremos às ruas onde se assiste ao futebol, ouvem-se choros e se inauguram livrarias? Vamos ter de reaprender a vida —e seus mais inocentes prazeres.Ruy Castro
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