Rubem Fonseca foi um dos primeiros escritores brasileiros a usar computador, ainda no final dos anos 1980. Na época, isso causava muita estranheza.
Não sei exatamente o que ia pela cabeça das pessoas que estranhavam, mas suponho que, quando surgiram as primeiras máquinas de escrever, os intelectuais que deixaram de escrever à mão também tenham sido questionados.
Zé Rubem, Millôr Fernandes e eu tínhamos sistemas bem parecidos.
Nós usávamos um processador de texto chamado Volkswriter, muito mais leve e ágil do que o Wordstar ou o WordPerfect, precursores do Word. (Mais tarde passei a usar um processador desenvolvido a partir do Volkswriter, o Nota Bene, mas isso já é outra história.)
Passamos muitas e muitas tardes e noites conversando sobre o que na época se conhecia como "informática", entusiasmados pelas possibilidades infindáveis que as máquinas nos apresentavam.
Pioneiros como nós enfrentavam, porém, um problema complicado aqui no Brasil: a falta de acentuação nas impressoras.
Tínhamos uma lei de reserva de mercado que proibia o uso de bens de tecnologia importados -- mas os produtos nacionais eram ou inexistentes, ou péssimos, ou impossivelmente caros. Não havia produtos acessíveis a mortais comuns que levassem em conta a existência da nossa acentuação.
A impressora que todos nós usávamos era uma Epson matricial que vinha de contrabando, e que se conectava aos nossos computadores contrabandeados por cabos paralelos que o contrabando trazia.
Um dia, resolvi escrever uma tabela de conversão para que a impressora aceitasse acentos. Eu nunca tinha programado nada na vida, não existia a internet tal qual a conhecemos, nem youtubers explicando as coisas, de modo que virei duas ou três noites em tentativa e erro até dar conta do recado.
Funcionou direitinho.
A tabela ficava no mesmo disquete de 5"1/4 que a gente usava para rodar o DOS e era carregada automaticamente.
Quando contei pro Zé Rubem que tinha matado a charada ele ficou maravilhado, e me pediu uma cópia da tabela.
E assim ele e o Millôr passaram a ser os usuários do meu programa: sempre que eu melhorava alguma coisa, dava um disquete com a nova versão para eles, e isso rendia mais conversas e troca de experiências.
Hoje parece ridículo fazer tanta onda por causa de uns míseros acentos, mas na época da computação a vapor esses pequenos feitos pareciam grandes aventuras: nós estávamos, de certa forma, desbravando um mundo novo.
Tanta saudade.
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