Condes de Monte Cristo
Uma vez que somos todos Condes de Monte Cristo, presos apesar de inocentes, fui procurar, na obra de Alexandre Dumas, ensinamentos úteis para estes tempos. Não encontrei, infelizmente – mas, tendo perdido bastante tempo nessa demanda, seria um desperdício se não aproveitasse alguma coisa da experiência para, forçando aqui e aldrabando além, encontrar algumas semelhanças entre as aventuras de Edmond Dantès e a nossa desventura. Estamos numa situação de emergência. Só porque uma ideia é disparatada e inviável, não há razão para ser descartada.
Sucede então que Edmond Dantès foi encarcerado sem ser culpado. Como nós. Submetido a uma longa quarentena de 14 anos (que é exactamente o tempo que a nossa parece durar, ao fim de apenas 14 dias), Dantès percebe que sairá da prisão pobre – como nós, sem tirar nem pôr. Tem, no entanto, muita vontade de se vingar de quem o aprisionou – assim como nós também temos. Aproveita a quarentena para se distrair – tal como nós, nos intervalos da faxina. Trava conhecimento com o Abade Faria (personagem que, para Dantès, faz as vezes de Instagram), que lhe ensina línguas, ciência, história e esgrima. Dantès sonha em cravar o ferro nos seus inimigos, e nós temos a mesma fantasia – com uma diferença subtil: nós destruiremos o nosso inimigo cravando um ferro em nós mesmos, no dia em que a seringa da vacina espetar a sua agulha nas nossas ansiosas nádegas. Tirando isso (espero que continuem comigo), é quase igual. É então que a história de Edmond Dantès começa a divergir irremediavelmente da nossa. Quando sai da prisão, Dantès fica rico porque recolhe um tesouro cuja localização lhe tinha sido revelada pelo Abade Faria, ao passo que nós estávamos a recolher o dinheiro dos turistas que tinham descoberto que nós éramos um tesouro. É com essa nova capacidade financeira que Dantès obtém uma vida melhor do que a que tinha antes de ser preso, e prepara a sua vingança. Nós, em princípio, havemos de vingar-nos destes tempos em festas bastante desregradas – que, à sua maneira, também nos hão-de enriquecer. É possível, aliás, que acabemos por contrair novas doenças, enquanto estivermos a celebrar o facto de não termos contraído esta. Que essa perspectiva nos anime, que bem precisamos. Ânimo vai ser fundamental para, quando deixarmos de enfrentar esta desolação, podermos enfrentar a desolação que se vai seguir.
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