Lá se ia a moça, a caminho do mar. Uma moça alazã, de longos cabelos, que lhe passavam dos ombros (lindos). Uma blusinha da "Laís" lhe descia até as coxas. Depois da blusinha não tinha nada, mas presumo que antes, isto é, embaixo da blusinha, havia roupa de banho. Ah! que coisa bonita, mais que bonita, RELEVANTE, uma moça de blusinha, enganando que está só de blusinha.
E lá se ia a moça, quando o primeiro homem parou e lhe disse uma coisa. Boa coisa, não foi. E só um poeta cruzaria com semelhante moça, na calçada, sem dizer nada, sem ao menos parar. Só os poetas sabem que as moças, que passam, passam... e se afogam no mar, ou sobem aos céus. A verdade é que a gente não as vê, nunca mais. A que vier, não estará voltando. Será outra, mesmo que tenha iguais: os cabelos, os olhos, os ombros, as partes semoventes, o som de dizer "meu bem", o cheiro de maresia reminiscente. Será outra, numa nova cidade antiga, a praça, a igreja e, de tardinha, sentir-se-á o odor dos ofícios religiosos. Será outra, de olhos baixos, de mãos dadas, jurando eternidades a não cumprir. Será outra, a morrer de ciúmes, porque surgiu mais uma mulher na sala. Será outra, a pedir, com humildade dos leigos franciscanos. Mais: a humildade dos vendedores de jornalzinho "Brado de Guerra", do Exército de Salvação:
– Meu benzinho, se você puder, baixe os olhos, porque acaba de entrar uma...
Engraçado, a mulher que gosta da gente diz sempre a mesma palavra das outras que, um dia, também poderão gostar. É que as mulheres bonitas detestam as mulheres bonitas, quando estão gostando muito de um homem feio.
Continuando: será outra, no silêncio e na eternidade do abraço, naquela noite, abençoada do terceiro amor. Quem conhece de casamentos sabe muito bem que não era preciso haver as noites do primeiro e do segundo amor. A terceira é que é a bonita. Quando já se conhecem os caminhos – onde são todas as coisas.
Será outra, no dia de ir embora, com os olhos cheios daquele ódio que nasce na vontade imensa de ficar. Será outra, no convés do navio, de óculos pretos, perguntando às suas próprias esperanças:
– Onde andará agora aquele grandissíssimo...
O homem ausente é chamado pela mesma palavra, desde quando Adão saía para buscar a maçã do regime de Eva. O homem está sendo verdadeiramente procurado, esperando, ansiado, quando é tratado de "aquele grandissíssimo"...
Será que já fui tratado de "aquele grandissíssimo"? Não sei. Não sei. Quando jovem, uma uruguaia zelosa entrava em neura ciumosa e me chamava de "gordito de porqueria". Não mais.
Lá se vai a moça, em direção ao Atlântico. Nem sabe o bem que me causam seus cabelos, seus ombros, sua blusinha de "Laís", suas pernas, seu andarzinho insólito, que pede uma plaquinha (como nos automóveis): AMACIANDO.
Adeus, menina, adeus. Tomara que passe outra, para que eu te esqueça. Eu, que sempre fui o grande Inconstante Ramos.
Que bom, a poesia voltou! Tomei um remédio, chamado Gaballum, e cinco minutos depois, minha paisagem interior era ainda mais bonita do que aquela, na varanda de um hotel em Persberg, maio de 1955. Oh, colegas meus, poetas e escritores, salvai-vos da menopausa com, apenas, alguns comprimidos de Gaballum.
Antônio Maria, "O jornal de Antônio Maria"
Antônio Maria, "O jornal de Antônio Maria"
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