Ambrose Mcevoy |
A caminho do lotação, líamos um jornal que falava em maio, em Nossa Senhora, nas mães. Uma literatura comercial para que o povo carioca, já consumido de aflições, vivendo hoje uma estranha fase de um sentimento coletivo de insegurança, comprasse mais nos grandes magazines. Os sapatos falavam das mães, as bolsas falavam das mães, os liquidificadores teciam elogios às mães, as geladeiras, as enceradeiras, os sofás-camas, apelavam para os sentimentos filiais de todos. Haja dinheiro para os nossos bons sentimentos, pensei, exatamente quando chegava a uma das esquinas do docemente próspero e burguês bairro de Ipanema.
E na esquina, espojada no chão como um corpo morto, encontrava-se a mãe. Era de cor parda, beiços grossos e gretados, sem dentes, de quarenta anos presumíveis, o corpo envolto em trapos imundos.
Ressonava. Da boca, um fio de baba corria, descendo pelo colo, molhando os seus seios. Seu vestido levantado deixava à mostra a intimidade de seu corpo e suas pernas cheias de feridas. Moscas voavam sobre o seu ventre pojado, de onde, muito breve, deveria nascer um filho, o mistério indecifrável de um filho. Os passantes a olhavam com nojo, alguns com uma revoltante ironia. Em torno dela como que existia uma muralha de álcool barato. Talvez o filho nascesse morto. Talvez... Tudo aquilo era tão miserável, tão desagradável, tão patético, que é preferível botar nesta cena uma pedra. E sob esta pedra coloquemos também os nossos belos corações de filhos de uma época avara e hipócrita.
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