O menino e seu amiguinho brincavam nas primeiras espumas; o pai fumava um cigarro na praia, batendo papo com um amigo. E o mundo era inocente e tranquilo, na manhã de sol.
Foi então que chegou a Mãe (esta crônica é modesta contribuição ao Dia das Mães), muito elegante em seu short e mais ainda em seu maiô. Trouxe óculos escuros, uma esteirinha para se esticar, óleo para a pele, revista para ler, pente para se pentear ― e trouxe seu coração de Mãe que imediatamente se pôs aflito achando que o menino estava muito longe e o mar estava muito forte.
Depois de fingir três vezes não ouvir seu nome gritado pelo pai, o garoto saiu do mar resmungando, mas logo voltou a se interessar pela alegria da vida, batendo bola com o amigo. Então a Mãe começou a folhear a revista mundana ― "que vestido horroroso o da Marieta neste coquetel" - "Ih, é mesmo, João, nós precisamos telefonar para os Nunes" ― "que presente de casamento vamos dar à Lúcia? Tem de ser uma coisa boa" ― e outros pequenos assuntos sociais foram aflorados numa conversa preguiçosa. Mas, de repente:
― Cadê Joãozinho?
O outro menino, interpelado, informou que Joãozinho tinha ido em casa apanhar uma bola maior.
― Meu Deus, esse menino atravessando a rua sozinho! Vai lá, João, para atravessar com ele, pelo menos na volta!
O pai (fica em minúscula; o dia é da Mãe) achou que não era preciso:
― O menino tem OITO anos, Maria!
― OITO anos, não, oito anos, uma criança. Se todo dia morre gente grande atropelada, que dirá um menino distraído como esse!
E erguendo-se olhava os carros que passavam, todos guiados por assassinos (em potencial) de seu filhinho.
― Bem, eu vou lá, só para você não ficar assustada.
Talvez a sombra do medo tivesse ganho também o coração do pai; mas quando ele se levantou e calçou a alpercata para atravessar os vinte metros de areia fofa e escaldante que o separavam da calçada, o garoto apareceu correndo alegremente com uma bola vermelha na mão e a paz voltou a reinar sobre a face da terra.
Agora o amigo do casal estava contando pequenos escândalos de uma festa a que fora na véspera e o casal ouvia, muito interessado ― "mas a Niquinha com o coronel? Não é possível! ― Quando a Mãe se ergueu de repente:
― E o Joãozinho?
Os três olharam em todas as direções, sem resultado. O marido, muito calmo ― "deve estar por aí', a Mãe gradativamente nervosa ― " mas por aí, onde"? -; O amigo otimista, mas levemente apreensivo. Havia cinco ou seis meninos dentro d'água, nenhum era o Joãozinho. Na areia havia outros. Um deles, de costas, cavava um buraco com as mãos, longe.
― Joãozinho!
O pai levantou-se, foi lá, não era. Mas conseguiu encontrar o amigo do filho e perguntou por ele.
― Não sei, eu estava catando conchas, ele estava comigo, depois ele sumiu.
A Mãe, que viera correndo, interpelou novamente o amigo do filho. "Mas sumiu como? Para onde? Entrou n'água? Não sabe? Mas que menino pateta". O garoto, com cara de bobo, e assustado com o interrogatório, se afastava, mas a Mãe foi segurá-lo pelo braço:"Mas diga, menino, ele entrou no mar? Como é que você não viu, você não estava com ele? Hein? Ele entrou no mar"?
― Acho que entrou... ou então foi-se embora.
De pé, os lábios trêmulos, a Mãe olhava para um lado e outro, apertando bem os olhos míopes para examinar todas as crianças em volta. Todos os meninos de oito anos se parecem na praia, com seus corpinhos queimados e suas cabecinhas castanhas. E como ela queria que cada um fosse seu filho, durante um segundo cada um daqueles meninos era o seu filho, exatamente ele, enfim ― mas um gesto, um pequeno movimento de cabeça, e deixava de ser. Correu para um lado e outro. De súbito ficou parada, olhando o mar, olhando com tanto ódio e medo (lembrava-se muito bem da história acontecida dois a três anos antes, um menino estava na praia com os pais, eles se distraíram um instante, o menino estava brincando no rasinho, o mar o levou, o corpinho só apareceu cinco dias depois, aqui nesta praia mesmo!) ― Deu um grito para as ondas e espumas ― "Joãozinho"!
Banhistas distraídos foram interrogados ― se viram algum menino entrando no mar ― o pai e o amigo partiram para um lado e outro da praia, a mãe ficou ali, trêmula, nada mais existia para ela, sua casa e família, o marido, os bailes, os Nunes, tudo era ridículo e odioso, toda essa gente estúpida na praia que não sabia de seu filho, todos eram culpados ― "Joãozinho"! ― Ela mesma não tinha mais nome nem era mais mulher, era um bicho ferido, trêmulo, mas terrível, traído no mais essencial de seu ser, cheia de pânico e de ódio, capaz de tudo ― "Joãozinho"! ― Ele apareceu bem perto, trazendo na mão um sorvete que fora comprar. Quase jogou longe o sorvete do menino com um tapa, mandou que ele ficasse sentado ali, se saísse um passo iria ver, ia apanhar muito, menino desgraçado!
O pai e o amigo voltaram a sentar, o menino riscava a areia com o dedo grande do pé e, quando sentiu que a tempestade estava passando, fez o comentário em voz baixa, a cabeça curva, mas os olhos erguidos na direçã dos pais:
― Mãe é chaaata...
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