Françoise Collandre |
Perder demanda um grande esforço. Vida sem chance de regresso, de respiro, de reparo, quando súbito cessa o torvelinho e há calma no infinito. Quando meu pai dizia que a vida era curta, e mamãe, que era um sopro, e minha avó, Salve-nos, Senhor!, eu só pensava na minha infância, farta e bela. Hoje, sinto medo dessa urgência, dessa presteza infinita, dessa fúria que nos ameaça com a carência dos dias. Nisso tudo, estou fazendo oitenta anos. Uma coisa muito forte para uma pessoa da minha idade. Vou interromper um momento para tomar providências. É bom pôr o Prosecco na parte de cima da geladeira. Pra ficar bem geladinho. Não sei onde coloquei o batom novo... A cor que havia tempos eu procurava. Estava aqui na minha frente: forte, terrosa, acabada. Acabada não é uma boa palavra para essa noite. Espero amigos. Farei uma reunião íntima com os que puderem vir, naturalmente. Há pouco tivemos um raio de sol na sala. Já era tarde. Que tarde. Vou subir as persianas e abrir as janelas. Deixar entrar a brisa fresca. As folhas da amendoeira em frente se agitam. Janela é uma palavra linda, quando se abre nos dá o mundo. Livia Garcia-Roza, trecho do romance memorialístico "Não Sabia que Nos Amávamos Tanto" (título provisório) ainda sem data de publicação definida
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