quinta-feira, maio 14

'O coronavírus estragou o mundo'

Dia 59

Pela terceira vez nos últimos dois meses, a minha filha de seis anos deu-me título para uma crónica. A verdade é que o mundo está tão do avesso que, tantas vezes, as observações das crianças nos recolocam em perspetiva. Estamos tão focados nos nossos afazeres, no teletrabalho, nas máscaras e nas distâncias, em aguentar, em continuar, em sobreviver, em reinventarmo-nos… que deixámos de questionar. Habituamo-nos e pronto, seguimos viagem, ora olhando para o chão, ora olhando para o céu, sem nos determos nos porquês. Quando nos resignamos às contrariedades, a vida passa a ser um porque sim. Somamos e seguimos.


Shelley Dieterichs
Este fim-de-semana, ela voltou-me a fazer a mesmo pergunta que tinha feito há quase dois meses, exigindo uma atualização da situação: “E agora, quem é que está a ganhar, nós ou o coronavírus?” E hoje, com mais convicção, disse-lhe que agora finalmente somos nós. Conseguimos tornar o bicho menos perigoso e ele está a perder a batalha. E por isso estamos a retomar, devagarinho, as nossas vidas. Já podemos sair de casa e fazer coisas lá fora, com algumas novas regras: não podemos estar muito próximo dos tios e avós nem beijar e abraçar as pessoas fora da nossa família chegada, a escola vai só vai abrir no próximo ano letivo, temos de andar com máscaras nos espaços públicos fechados e estar sempre a lavar as mãos…

Não consegui acabar o rol de novos preceitos para o nosso dia a dia, sem que ela resumisse a coisa de forma cabal: “Ora bolas, o Coronavírus estragou o mundo, Mãe!”

Estragou um bocadinho, é um facto, filha… Pondo as coisas nestes termos, é impossível de dizer o contrário. Para os miúdos, tudo isto é uma mudança drástica. Passada a novidade inicial que lhes soube bem, acusam já o cansaço e a saturação. Vai deixar-lhes marcas para sempre. Penso muitas vezes nisso… Como os moldará tudo isto? O que se lembrarão eles, daqui por uma década, destes dias de quarentena e confinamento? O que ficará guardado naqueles cantos de nós que nem sabemos que existem?

Os meus filhos mais velhos (16, 14 e 12 anos), do que mais sentem falta é dos amigos – essa componente tão importante na vida de um teenager. Por mais que as redes se tenham imposto como forma de socialização e comunicação, não é a mesma coisa. E ainda bem que não é a mesma coisa: é sinal que os miúdos continuam a valorizar o estar junto, cara a cara, entre pessoas da sua idade. Fora da escola, porque a vida não é só escola. É sobretudo tudo o resto.

Começam a pedir para voltar a sair, ir ter com os amigos, recebê-los em casa, fazer desportos coletivos. E nós tentamos dizer que não, mas começa a ser difícil de gerir. Se isto vai durar meses ou mais de um ano… como vão eles conviver este tempo todo? Como vão namorar, confraternizar e fazer tudo o que é normal nas suas idades? E por quanto tempo?

Angustia-me, tal como estou certa que acontece com todos os outros pais, não ter respostas para lhes dar, sobretudo quando tenho oito olhos fixados em mim à espera de uma luz. Sei, todos sabemos, que não podemos deixar que o Coronavírus estrague o mundo das crianças. Só não sei bem é como é que se faz esta tarefa hercúlea…

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