sexta-feira, outubro 23

A especulação imobiliária

Erguer os olhos do livro (sempre lia no trem) e reencontrar a paisagem parte por parte — o muro, a figueira, a nora, os juncos, a cadeia rochosa —, as coisas vistas desde sempre e que somente agora, por ter estado distante, percebia: era assim que, todas as vezes que voltava para ali, Quinto retomava contato com sua terra, a Riviera. No entanto, como já fazia anos essa história de distância e de retornos esporádicos, qual era a graça? Ele já sabia tudo de cor; mesmo assim, continuava buscando novas descobertas, de relance, um olho no livro e outro para além da janela, e era quase uma mera checagem de observações, sempre as mesmas.


Mas toda vez havia algo que interrompia o prazer desse exercício e o forçava a voltar às linhas do livro, um incômodo que nem ele entendia bem. Eram os edifícios: todas essas novas construções que surgiam, conjuntos urbanos de seis, oito andares, a reluzir maciços como barreiras de contenção contra o desmoronamento das encostas, debruçando sobre o mar o maior número de janelas e varandas que podiam. A febre do cimento se apossara da Riviera: ali se avistava um prédio já habitado, com os canteiros de gerânio todos iguais nas sacadas; aqui, moradias recém-terminadas, com os vidros marcados por serpentes de giz, à espera de famílias lombardas ansiosas pelo banho de mar; mais adiante, um castelo de andaimes e, embaixo dele, a betoneira girando e o cartaz da imobiliária anunciando a venda de unidades.

Nas cidadezinhas íngremes, dispostas em patamares, os prédios novos brincavam de montar uns nos ombros dos outros, e, em meio àquilo, os donos das casas antigas espichavam o pescoço dos telhados. Em ***, a cidade de Quinto, antes circundada por umbrosos jardins de eucaliptos e magnólias onde, de uma sebe a outra, velhos coronéis ingleses e misses idosas se emprestavam mutuamente edições Tauchnitz e regadores, as escavadeiras agora reviravam o terreno macio das folhas apodrecidas ou granuloso do pedrisco das aleias, enquanto as picaretas demoliam os sobrados de dois andares e os machados abatiam num chiado de papel os leques das palmeiras washingtônias, varridas do céu onde surgiriam os futuros três quartos ensolarados com área de serviço.

Quando Quinto subia até sua casa, que noutros tempos dominava toda a extensão dos telhados da cidade nova e os bairros baixos da marina e do porto, mais para cá o monte de casas mofadas e musguentas da cidade velha, entre a encosta oeste da colina onde os olivais se adensavam sobre os hortos e, a leste, um reino de palacetes e hotéis verdes como um bosque, sob o dorso árido dos campos de cravos cintilantes em serras que se estendiam até o Cabo, agora não avistava mais nada, só um sobrepor-se geométrico de paralelepípedos e poliedros, pontas e lados de casas, de cá e de lá, tetos, janelas, muros cegos para servidões contíguas com apenas os basculantes esmerilhados dos banheiros uns sobre os outros.

Toda vez que ele chegava a ***, a primeira coisa que sua mãe fazia era levá-lo ao terraço (ele, com uma saudade indolente, distraída e logo inapetente, teria ido embora sem subir até lá): — Agora vou lhe mostrar as novidades — e indicava as novas construções. — Ali os Sampieri estão levantando mais um andar, aquele lá é o prédio novo de um pessoal de Novara, e as freiras, até as freiras — lembra o jardim com bambus que a gente via lá embaixo? —, agora veja o buraco que elas fizeram, quem sabe quantos andares vão querer erguer com essas fundações! E a araucária da vila Van Moen, a mais linda da Riviera: agora a empresa Baudino comprou toda a área, e uma árvore que devia ter sido tombada pela prefeitura virou madeira de lenha; aliás, seria impossível transplantá-la, quem sabe até onde iam as raízes. Agora venha ver desse lado: a gente já não tinha vista para o nascente, mas veja o novo telhado que aparece; pois bem, agora o sol da manhã chega meia hora depois.
Ítalo Calvino, "A especulação imobiliária"

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