quinta-feira, outubro 8

A livraria do bairro

Durante os meses da quarentena os moradores do Jardim Botânico estiveram apreensivos: será que ela vai sobreviver? Será que vai reabrir? Há de se cuidar não só do mico-leão dourado e das ararinhas azuis: outras espécies importantes também estão em risco de extinção. Livrarias, por exemplo.


Aqui no JB somos órfãos de várias. A última, Ponte de Tábuas, ficava ali na esquina da J.J. com a Jardim Botânico. Fechou há muitos anos. Ao menos aprendemos uma lição: se não comprarmos seus livros, elas acabam. Parece óbvio? Nem tanto. Às vezes gostamos de algo ou de alguém e damos por certo que estará conosco para sempre, sem precisar de nenhum esforço. Guardo na memória da mais longínqua infância uma cidade de tantos cafés e tantas livrarias que mal dá pra contar aqui. Acreditei que assim era o mundo.

Não fará falta uma simples livraria, dirão os pragmáticos ricos de lógica, mas pobres de espírito. Hoje podemos comprar tudo pela internet, é mais cômodo e mais barato, pensam, ingênuos.

Sim, a loja on-line do homem mais rico do mundo às vezes tem preços melhores, mas ele já tem dinheiro demais e, enquanto conta a sua fortuna, não deve ter tempo de sentar num café de rua e aproveitar seu tempo com um livro. Também não acredito que saiba onde fica o Jardim Botânico, muito menos que se importa se seus moradores andam lendo pouco. São tantos seus negócios! Se não quiserem seus livros, lhe comprarão computadores ou máquinas de lavar. De tudo ele ganha uma parte, o que é demais para uma pessoa só. Deveria convidá-lo para colocar os pés no chão e conhecer o meu bairro, passear com ele na feira da Frei Leandro, parar para comer um pastel, ir até o parque Lage para uma caminhada até o Lago dos Patos, ver as carpas debaixo d’água e as maritacas no céu. De noite, numa mesa do Rebouças, com a Mila, o Jards e o Toni Platão, tentaríamos lhe explicar que há certas coisas que nem todo dinheiro do mundo pode comprar: a alma de um bairro, por exemplo. O mercado com as caras conhecidas, o restaurante de domingo, o chaveiro da esquina, o bazar onde se compra aquelas cordas de varal que esgarçam com o tempo. A livraria.

Sim, a livraria.

Visitamos as grandes e famosas de outros países e ficamos maravilhados: quanta sabedoria! Aqui sim se dá valor ao conhecimento, dizemos com inveja e deslumbramento. Na volta logo esquecemos do que vimos e do que temos por perto. Pomos tudo a perder.

Nestes tempos onde a ignorância feroz anda solta e não saber é motivo de orgulho e distinção, as livrarias são nosso refúgio e resistência. Não se enganem: não será o ódio das redes sociais e sua sofreguidão por destruir o pensamento alheio que irá nos salvar da barbárie, pelo contrário. Vai nos salvar a pequena livraria do bairro, a biblioteca simples da comunidade, a certeza coletiva de que a palavra escrita no papel vale o que custa, seja em tempo ou em dinheiro. Civilização é ter um livro à mão.

Com poucas mesas na calçada e muitos livros nas estantes, ela está de volta. A Janela reabriu, e temos uma livraria e um café no bairro. Está de volta o que aprendi a chamar, já na longínqua infância, de mundo.
Leo Aversa

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