Nesta época, sobretudo, em que o romance atravessa uma fase de libertinagem (formal e até dimensional), em que vão rareando os romances trabalhados dentro daquelas normas que nos repousam, o policial permanece como o último reduto do romance clássico. Pela sua natureza, o policial preservou os característicos fundamentais do romance. Ainda que seja difícil defini-los. Sente-se, entretanto, que um romance deve ter uma história, uma intriga. E isto que me atrai nos romances policiais.
Vejo agora, entretanto, que eu comecei mal esta crônica, que eu deveria ter dito logo muito exatamente: eu não sou propriamente um leitor de romances. Na verdade, não gosto muito de romances. Só gosto, se parto de uma exigência pedante e fundamental em mim ― a de procurar na obra escrita a obra literária ― só gosto de romances que se aproximem mais ou menos de uma preocupação artística constante. Romances que, abertos em qualquer página, fossem não apenas agradáveis à leitura, mas cuja contextura verbal apresentasse um atrativo em si própria.
Isso, porém, não impede em absoluto duas coisas: primeiro, que não se denomine estas obras de romance; segundo, que eu não aprecie a leitura de histórias. De casos, eu gosto. E, justamente por este motivo, é que me seduzem os novelistas policiais: são eles os últimos exemplares puros desta raça de contadores de história. Eles guardam o segredo da trama, eles não perderam a paixão minuciosa e lenta do enredo. Se um homem atira na mulher e foge para uma ilha do Sul, o romancista moderno quer conhecer apenas os "complexos psicológicos" destes gestos ou, então, transmitir a intensidade emocional que os presidiu. O novelista policial, entretanto, contará uma história, esconderá o marido criminoso até as últimas páginas de seu livro. Deste modo, ele consegue ser mais eterno que o romancista, a psicologia dos personagens pode ter um interesse muito reduzido daqui a um certo tempo. Poderá mesmo ser ridicularizada. Mas uma história sempre fica. Todas as boas histórias ficaram, as inocentes, as dramáticas, as fantásticas, as picarescas e até aquelas irremediavelmente imorais.
No Brasil, não temos romances policiais. Crimes, entretanto, temos dos melhores. O material é vasto e excelente. Às vezes, chego a ter a impressão que alguns de nossos criminosos mais célebres tiveram eles próprios a preocupação do enredo, do pitoresco, do novelístico. São escritores policiais frustrados. Quando surgirão autênticos?
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