sábado, outubro 24

Aquela terra misteriosa

O Outono chegou. O céu aberto coberto de nuvens abateu-se sobre os negros contornos das colinas; e as folhas mortas dançavam em espirais debaixo das árvores despidas, até o vento , com um profundo suspiro, as deixar descansar nas covas dos vales nus. E, de manhã à noite, em toda aquela terra, os ramos escuros e nus, os ramos nodosos e torcidos que uma dor teria forçado a emaranhar-se uns nos outros, balançavam tristemente entre as nuvens e a terra alagada pelas chuvas. Os regatos límpidos do Verão , agora turvos, precipitavam-se com fragor , com a fúria da loucura suicida, contra as pedras que lhes barravam o caminho para o mar. Duma ponta à outra do horizonte, a grande estrada das areias jazia entre as colinas com uma luz baça, de curvas vazias, lembrando um rio de lama.

Jean-Pierre ia de um campo para o outro, um vulto alto e pouco nítido sob a chuva miudinha, ou calcorreava a crista dos montes sozinho, recortado contra a cortina cinzenta das nuvens à deriva, como se caminhasse ao longo da própria borda do universo. Olhava para aquela terra misteriosa que, numa imobilidade semelhante à morte, realizava o seu trabalho de vida sob a tristeza velada do céu. E parecia-lhe que, para ele que conhecia um destino pior ainda que não ter filhos, a fertilidade dos campos não era nenhuma promessa; parecia-lhe que a terra se lhe furtava, se lhe negava , se carregava contra ele como as nuvens , negras e apressadas, por cima da sua cabeça. Por ter de lutar sozinho contra os seus campos, sentia a inferioridade do homem breve perante o torrão -que é eterno. Teria de perder a esperança de ter a seu lado um filho que olhasse para a terra lavrada com um olhar de dono? Um homem que pensasse como ele , que sentisse como ele; um homem que fosse parte de si e no entanto permanecesse, para pisar aquela terra, quando ele se fosse? 

Joseph Conrad , "Histórias Inquietas"

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