Era louco, vocês percebem. Mas não sei se ficou louco depois de conhecer a verdade ou quando começou a propagá-la. Fato é que a loucura dele me pareceu mais sincera do que muitas sanidades por aí, quem sabe pela possibilidade de uma lógica pelos sãos inadmissível.
Cândido Portinari, "O Alienista" |
“Túnel, túnel, túnel, não existe luz, não existe luz, não existe luz”, repetia com obsessão. Eu caminhava atrás dele, tentando não fazer barulho para poder detectar a transparência das palavras que só na boca de um louco podem ser ditas sem censura.
Ele usava camiseta vermelha, bermuda e chinelo. Procurava desdenhar do frio ou do verde e amarelo? Para haver ordem, vocês sabem, muito túnel precisa permanecer eternamente escuro, mais que isso: para sempre em construção.
“Talvez não exista luz no fim do túnel porque o túnel não tenha fim”. Ele divagava e divagava, até que olhou para trás e me viu: foi um segundo, nossos olhos se encontraram e nossas máscaras combinaram: a minha também vermelha. Então olhei para baixo e senti meu coração batendo nos ouvidos e o sangue acumulado do nervosismo subindo às bochechas e à testa. Os loucos sempre falam comigo na rua e não seria diferente daquela vez, sobretudo porque eu estava vermelha por completo.
“Alguma vez você viu a luz no fim do túnel, moça?” O sujeito perguntou para a minha cabeça baixa, que se moveu de um lado para o outro, numa negativa que confirmava as suspeitas dele. “Então você também acha que o túnel não tem luz porque não tem fim?” Sorri. Vocês acreditam? Eu burramente sorri. De máscara. Mas mesmo louco, ou pelo exato motivo da loucura, ele inteligentemente pressentiu meu sorriso e antes que virasse as costas e continuasse externando seu mantra, ainda me disse:
“Às vezes o que chamam de ordem é uma prisão. E o progresso do mundo nem sempre é o progresso da alma”.
Em seguida caminhou mais rápido e logo se afastou de mim. Adiante, jogada no topo de uma lixeira aberta, uma máscara: metade verde, metade amarela. Com as bordas vermelhas.
Natália Sartor de Moraes
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