segunda-feira, março 15

As cores da loucura

“Talvez não exista luz no fim do túnel porque o túnel não tenha fim”. Não ouvi esse acerto em uma palestra desmotivacional; ouvi de um louco na rua, que murmurava sozinho enquanto brincava com o elástico da sua máscara. Imaginei se a da sociedade pode ser retirada de forma tão fácil quanto a de tecido que lhe ocultava nariz e boca, ou se a da sociedade tem chance de algum dia ser extinta.

Era louco, vocês percebem. Mas não sei se ficou louco depois de conhecer a verdade ou quando começou a propagá-la. Fato é que a loucura dele me pareceu mais sincera do que muitas sanidades por aí, quem sabe pela possibilidade de uma lógica pelos sãos inadmissível.

Cândido Portinari, "O Alienista"

“Túnel, túnel, túnel, não existe luz, não existe luz, não existe luz”, repetia com obsessão. Eu caminhava atrás dele, tentando não fazer barulho para poder detectar a transparência das palavras que só na boca de um louco podem ser ditas sem censura.

Ele usava camiseta vermelha, bermuda e chinelo. Procurava desdenhar do frio ou do verde e amarelo? Para haver ordem, vocês sabem, muito túnel precisa permanecer eternamente escuro, mais que isso: para sempre em construção.

“Talvez não exista luz no fim do túnel porque o túnel não tenha fim”. Ele divagava e divagava, até que olhou para trás e me viu: foi um segundo, nossos olhos se encontraram e nossas máscaras combinaram: a minha também vermelha. Então olhei para baixo e senti meu coração batendo nos ouvidos e o sangue acumulado do nervosismo subindo às bochechas e à testa. Os loucos sempre falam comigo na rua e não seria diferente daquela vez, sobretudo porque eu estava vermelha por completo.

“Alguma vez você viu a luz no fim do túnel, moça?” O sujeito perguntou para a minha cabeça baixa, que se moveu de um lado para o outro, numa negativa que confirmava as suspeitas dele. “Então você também acha que o túnel não tem luz porque não tem fim?” Sorri. Vocês acreditam? Eu burramente sorri. De máscara. Mas mesmo louco, ou pelo exato motivo da loucura, ele inteligentemente pressentiu meu sorriso e antes que virasse as costas e continuasse externando seu mantra, ainda me disse:

“Às vezes o que chamam de ordem é uma prisão. E o progresso do mundo nem sempre é o progresso da alma”.

Em seguida caminhou mais rápido e logo se afastou de mim. Adiante, jogada no topo de uma lixeira aberta, uma máscara: metade verde, metade amarela. Com as bordas vermelhas.
Natália Sartor de Moraes

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