Lá naquela cidade distante joguei bola com a turma de queridos amigos nos campinhos improvisados dos terrenos baldios. Roubei fruta madura nos quintais das casas perto da beira do rio. Brinquei de mocinho e bandido. Fiz a primeira comunhão e tive a primeira namorada.
Largo da Guia (Campina Grande), Helder Racine |
Lá também criei vaga-lumes para vê-los à noite piscando no quarto. Nadei como um peixe ágil nos poços bem claros do rio que tinha as águas doces. Andei como um bicho solto, sem ter medo de nada, nos caminhos do mato. Feito pássaro dava cada voo com o vento mais alto. Quando cresci, soube que a infância tem um sabor de fruta doce que acaba quando chega o tempo dos homens.
Não querendo que aqueles dias vividos com aventuras, descobertas e sustos esplêndidos se perdessem no tempo que se foi, sem que eu percebesse de tão rápido, ficando trancados pelos homens dentro de mim, resolvi então escrever umas breves memórias com pedaços da infância. Nesses episódios que agora procuro contar, tecidos com os fios eternos do sonho, tento compartilhar com você um pouco da aventura da vida. Percorro caminhos e procuro encontrar o menino na fumaça do tempo, mas que ainda pulsa no meu coração porque não se cansou de ser menino.
Em Nada Era Melhor (Editus, 2020), cada episódio pode ser concebido como uma história, possui autonomia na sua estrutura, foi reinventado com os elementos tradicionais de princípio, meio e fim. Como cada um deles é protagonizado por um menino em sua pré-adolescência, tendo como espaço a infância e o lugar onde acontece é a uma cidade do interior baiano, no início da segunda metade do século XX, com personagens secundárias que participam algumas vezes de muitos deles, não se pode deixar de considerar que Nada Era Melhor é também um romance, uma história comprida representativa da vida, ou seja, um romance de iniciação.
Cyro de Mattos
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