segunda-feira, março 8

No alvo

 Irene Blasco
É como vestir uma roupa apertada essa angústia que se apossou de meus dias. Tentei desviar, evitando situações ou pessoas desgastantes, mas não resolveu: como calar amigos que, na melhor das intenções, perguntam se melhorei; como calar a mídia e suas notícias tenebrosas; como calar a memória, especialista em ressuscitar dores esquecidas; como não tropeçar na estrada que agora percorro sem ter escolhido?


Abro os olhos pela manhã e me pergunto: ainda estou viva? E ao perceber que sim, não sei se agradeço ou lamento, porque vai ter início mais uma jornada na gangorra emocional que me põe para cima e para baixo, sem intervalos. Tento me consolar, intuindo que não estou sozinha nesse vai e vem. Quase todo o país anda deprimido.

Leio que é crescente o número de suicídios entre mulheres no Japão, mas tal saída não me tenta. Gosto da vida, apesar do que ela se tornou. Traço rotas de fuga emergenciais, de acordo com a necessidade. Sem paciência para cozinhar? Não cozinho. Sem coragem para ler Cartas de um amor ausente, presenteado por uma amiga querida? Deixo para mais tarde. Sem fôlego para trocar ideias com meu interlocutor de todo dia? Adio a conversa.

A gangorra também afeta a autoestima. Certas ocasiões, não gosto do que escrevo, da pessoa que hoje sou, da opção de viver só. Em outras, me paparico comprando chocolates, uma roupa nova que sei lá quando poderei usar, acrescentando algum objeto à decoração comprado pela internet, curtindo a casa que é só minha.

Passeio pela poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen e pelos muitos poemas que o Zen do Haikai e outros grupos publicam diariamente nas redes sociais. Leio apenas um jornal e assisto a um único noticiário da tevê por dia, para não ser massacrada pela realidade vigente. Passo longe das mensagens panfletárias e/ou piegas. Mesmo assim, a roupa da angústia não laceia. Se ao menos servisse como carapaça, a me proteger “das flechas da mediocridade”, como quis Proust…
Madô Martins

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