James Charles (1851 – 1906) |
Estou de brincadeira. Eu gosto do meu cunhado. Faz mais de 20 anos que estou pegando a irmã dele. Estou só tentando me acalmar, me recompor para continuar escrevendo. Esta é uma curta história de sofrimento, dentre tantas do corolário humano. Há mais tristeza que felicidade, isso é fato. Todo mundo carrega uma desgraça a tiracolo para jogar na roda e impressionar os convivas. Os seres humanos são dramáticos. Não somos como os cachorros. A gente gosta de florear as coisas, de criar comoção, de desfilar os percalços, como se eles fossem exclusivos. As dores são todas iguais, só mudam de endereço.
Acabo de chegar do pet shop. Lá, fui informado pela veterinária responsável pelo estabelecimento que Lola, a cadelinha, personagem assídua das minhas crônicas, tinha morrido.
— Como assim, “morreu?”, eu quis saber, abilolado, aturdido, pois ela aparentava gozar uma saúde de ferro. Era a morte me pegando com as calças nas mãos. Moça, por favor, não chore, eu pedi, com a voz embargada, louco de vontade de chorar junto.
— Ataque cardíaco, ela disse com o rosto ensopado.
— Como assim, “ataque cardíaco?”, eu pensava que isso era uma particularidade dos seres humanos.
Enquanto acariciava Lola morta sobre a bancada, palpei, com minúcias, cada centímetro do seu corpo já enrijecido, para me certificar se havia ou se não havia algum sinal de ferimento, um hematoma, uma fratura, indícios de maus tratos. Isso é horrível, a gente desconfia das pessoas até nessas horas. Lucubrei que ela pudesse ter caído da maca ou ter sido eletrocutada, acidentalmente, durante a secagem do pelo. Sei lá. Quanta bobagem. Há muita criatividade e liberdade de expressão, em matéria de se conspirar. Apesar do sofrimento e da comoção coletiva dentro do pet shop, eu estava sendo eu mesmo, ou seja, aquele homem de sempre: centrado, aparentemente calmo, racional e capcioso, uma verdadeira lástima.
No final das contas, o que mais eu podia fazer senão aceitar, resignar-me frente as explicações fornecidas pela veterinária? Apesar de ser um animal jovem, Lola tinha sofrido um mal súbito, enquanto tomava banho. Um piripaque. Começou a babar, ficou ofegante e… Pimba! Uma arritmia. Um infarto, provavelmente. Quem diria: os cães também enfartavam. Esses bichos só faltavam falar mesmo, pois, enfartar eles já enfartavam. Tava ali a comprovação do fato. Apesar do fatídico e inesperado transtorno que acometeu a minha tarde, paguei a conta e parti. Claro: se eles eram tão inocentes quanto pareciam ser, não fazia o menor sentido que eu não os remunerasse. Era o trabalho deles. Não eram muito bons em dar más notícias, isso não, porém, era o trabalho deles. Aceitaram a grana com olhos inchados e sorrisos de constrangimento.
Consolei a minha companheira da forma que eu dei conta, nunca fui muito bom em acarinhar. Catei os trecos da Lola que estavam esparramados pela casa, guardei-os num depósito para, quem sabe, um dia, perdê-los. Não chorei, mas, fiquei triste, tão triste, que decidi escrever esse texto, uma espécie de tributo, não para Lola, uma cadelinha branca da raça “lhasa apso”, o animal mais feliz, dócil, brincalhão e adorável que conheci na vida, mas, àqueles que, melhor do que eu, entram de sola nos sentimentos, a ponto de amar os animais como se eles fossem alguém da família, às vezes, cometendo os excessos de que falou o meu querido cunhado. São essas as mesmas pessoas sensíveis que amam os amigos, os parentes (inclusive, os cunhados), um emprego, uma planta, um livro, uma banda de rock, um artista famoso do cinema, um desconhecido que pede ajuda.
Lola não era apenas uma cadela. Era o amor latindo dentro de casa, como se a alegria fosse durar para sempre. E todos nos já sabemos que isso, simplesmente, não é possível.
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