segunda-feira, fevereiro 14

A mais difícil prova

Montado no jumentinho. Barba ruiva por fazer, cabelos crescidos entrando pelos ouvidos. Corpo magro, camisolão esfarrapado. Lábios feridos, sedentos na travessia do deserto. Olhos pálidos na cavidade das órbitas fundas. Pediu água ao homem, que estava enchendo o pote na fonte. O homem achou estranho, alguém querendo ter alguma coisa de graça na aldeia, tudo ali era pago.

Foi a uma hospedaria e pediu um pouco dos restos de comida deixada pelos hóspedes. Só havia comido gafanhoto no deserto, assim mesmo quando com sorte encontrava. O dono da hospedaria achou absurdo o que pedia. De graça não ia conseguir nada. Trabalhasse como os outros. Tinha que pagar para comer as sobras da comida, eram aproveitadas pelos porcos.

De volta à montanha. Vários dias em jejum. Apareceu num sábado. A feira cheia de gente como sempre. Curiosos formaram grande multidão em torno dele.

Disse numa voz clara e vagarosa:

– O dinheiro não é o mandamento de tudo, a força do mundo. Não compra o amor, a amizade, a paz, tantas coisas maravilhosas.


Alguns chegaram com as tabuletas. Mostraram à multidão de curiosos diante dele. Diziam:

Dinheiro eu te quero bem,
Por isso o meu bolso sempre tem.

Se o dinheiro não traz felicidade,
Me dê o seu e seja feliz.

Quem disser que tem amigo
Tem de si pouca ciência.

Amigo só existe aquele,
O da própria conveniência

Dinheiro estocado,
Pensamento comprado


Braços dele clamando aos céus:

– É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que o rico entrar no reino do céu.

Pronunciou as palavras com o peito contrito, certo de que estava alertando os incautos com uma frase de sabedoria milenar.

Recebeu estrondosa vaia. Os mais irados pegaram pedras. Começaram a atirar nele.

Pisotearam, cuspiram no cadáver. Acharam que devia ser enterrado ali mesmo, evitando-se que as carnes dele, com um cheiro horroroso, propagassem a peste.

Jogada a última pá de terra no buraco, o céu escureceu, trovões ribombaram no lado do crepúsculo. Chuva de fogo caiu de repente, túmulos abriram-se, vento uivou sem cessar. Terremoto começou a partir a terra em pedaços.

Tempos depois, o Conselho dos Aldeões Velhos mandou erguer o monumento junto ao túmulo para homenagear a sua memória. No pedestal da estátua do homem desconhecido, colocaram essa inscrição:

A MAIS DIFÍCIL PROVA É A DA INOCÊNCIA

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