Falta espaço para novos livros na biblioteca? Então talvez seja hora de revisitá-la, um livro aqui, outro acolá. Reler em cada um a razão de ainda estarem ali, a razão de não terem se perdido pelo menos alguns desses velhos exemplares de páginas arenosas desvirginadas à faca. Como é que dizia Lúcio Cardoso? Que, a certa altura da vida, o que lhe interessava, o que lhe interessava mesmo, era aquilo que ainda o emocionasse. Tento encontrar essa passagem em seus diários, mas claro que ela me escapa, e é assim também que os livros nos enredam, os olhos já não correm nem a mão tem pressa, mas, convenhamos, como Lúcio Cardoso se torturava ali lancetado nos abrolhos dos próprios pensamentos! Como era cruel consigo mesmo, e com que ressaibo amargo, se não um peso terrível, ele sustentava seu pessimismo.
Diários, afinal, são também isto: crônicas de oleosa intimidade. Aquela intimidade difícil, que muita gente mal arrosta, mesmo estando só, aquela nenhuma autocomplacência em assuntos de selva escura, desses assuntos que não fazem notícia enquanto suas feridas não desabrocham a olho nu. Nos diários como os de Lúcio Cardoso, o íntimo é a notícia do dia com abastança de detalhes. Há franqueza, espera-se. Uma transparência de dar a ver melhor, lá e cá. E isso a crônica, de um modo geral, tem em comum com os diários, essa franqueza de aroma próprio, esse algo de oficina de vida vivida ao vivo, escrevendo-se em tempo real.
Pois então, assim vamos, em dia com a vizinhança e nossos próprios solilóquios, em obras, ainda que a palavra pareça bem acabada. E por mais que descartemos ou desbastemos, por mais leves, por mais paina da paina que possamos ser, sob a perspectiva dos anos, esse dia a dia crônico é o que nos vê de volta e nos relê. É aquele mais adiante que nos sorri. Talvez com doçura, talvez com ironia, talvez mesmo com um pouco de ambas. Veremos já.
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