“Estamos sós com tudo aquilo que amamos”. A frase me voltou de repente, uma noite dessas, e eu não lembrava o autor. Subiu-me assim, num sussurro de constatação. Bela verdade. Bela e agridoce. Fazemos nossa casa bem povoada de vida por toda parte, livros, bichos, plantas, nosso léxico magnético de carinhos, e o quê? “Estamos sós com tudo aquilo que amamos”.
Escrevo enquanto os gatos vão e vêm pelos telhados, espiões da noite como espíritos, metendo-se pelos quintais de onde queiram. Uma abelha vem rodar sonoramente dentro da cúpula do lustre e é como se a luz desta biblioteca zumbisse. Aqui meus cabelos embranquecem ferozmente, meus joelhos rangem, subindo e descendo degraus incontáveis vezes, e o silêncio tem matéria, ele mesmo um rumor de mar que cobre o que rebenta e quebra.
Penso na história fabulosa que Jacques Prévert contou uma vez numa entrevista. Ele, que se recolhia quando os outros saíam para a noite e só começava sua noite quando os outros dormiam, procurava um hotel onde descansar das sete à meia noite, mas, porque não tinha bagagem nem companhia, quase sempre lhe negavam um quarto. Não suspeitavam do poeta, mas de um potencial suicida. Prévert então inventou um adendo confiável: estaria aguardando uma loira e, se por azar ela não aparecesse – que lástima! –, podiam chamá-lo à meia noite.
Há também a excelente sinceridade de Leonard Cohen, ao confessar que “sua reputação de mulherengo o fez rir amargamente pelas dez mil noites que ele passou sozinho”. Ousamos sabe-se lá quantos elos, quantas pontes flutuantes, nos damos a escândalos de amor e nudez em canções, poemas, crônicas, e o quê? “Estamos sós com tudo aquilo que amamos”.
Mariana Ianelli
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