terça-feira, fevereiro 22

Começando com amor e algemas

Amor, que houve com tuas algemas? Por que afrouxaram, por que não me apertam mais? É noite e, se te escapo, onde irás me procurar?

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Na opinião dos detratores da beleza, um arco-íris não passa de um dos truques mais baratos de Deus.

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Quando não os merecermos mais, que morramos antes que morram nossos sonhos e nossos ideais.

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Houve épocas melhores para escrever. Como aquela em que os fracassos artísticos tinham uma escala obrigatória em Paris.

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Às vezes a esperança resolve tentá-lo novamente e põe diante dele uma cena que o emociona: uma criança maltrapilha, um cego vendendo vassouras, um gato atropelado. Seus olhos se enchem de lágrimas, como tantos anos antes, e ele sente o apelo da poesia. Mas não lhe vem nenhum verso, como se não fosse o homem sensível que, quando jovem, teve a presunção de se dizer poeta.

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Só anda com os de sua categoria. Não é mais um versejador qualquer, é um poeta de antologia.

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A primeira lição literária que os novatos aprendem é que escrever não pode ser simplesmente escrever, embora não deva ser muito diferente disso.

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Quem hoje me vê caidaço, tão perto já do meu fim, não sabe o esforço que faço para me manter assim.

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Ler Dostoiévski aos doze anos, em 1950, quase nunca tem outro efeito ou importância além de se poder dizer, setenta anos depois, que se leu Dostoiévski aos doze anos, em 1950.

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A rua da amargura não é um logradouro; é um lugar-comum.

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Era um defunto imponente, como se estivesse na centésima e festiva representação de uma peça de teatro cujo título fosse A ressurreição.

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Um dia, deu-se conta de que era uma versão aprimorada de Clark Gable, o que seria importante se não fosse 2022 e alguém, além dos oito associados do clube de cinéfilos, soubesse quem era Clark Gable.

Raul Drewnick

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