sexta-feira, fevereiro 11

O deus Posêidon

Foi num lugar à beira-mar que encontrei minha amiga Nina, uma mulher já não muito jovem e com um filho adolescente. Nina me levou até sua casa, e vi algo incomum. A portaria, por exemplo, era retumbante, alta, com escadaria de mármore, e depois vinha o próprio apartamento, atapetado com pelo de castor cinza, com predominância de madeira escura e feltro escarlate. Tudo isso tinha uma aparência magnífica, como uma imagem na revista da moda L’Art de la Décoration, a arte da decoração, e exatamente igual era o banheiro, novamente o chão atapetado em cor cinza, com lavabo de porcelana azul e espelhos — era simplesmente um sonho! Eu não acreditava nos meus próprios olhos, mas Nina tinha a mesma eterna aparência reticente e cansada, e me levou para o quarto com três portas escancaradas, meio escuro, mas também elegante, com uma quantidade inesperada de camas desfeitas. “Como é, você se casou?”, perguntei para Nina, e ela, com cara de dona de casa que arruma tudo, preocupada, mas sem tocar em nada, foi para uma das portas. Lembro do quarto luxuoso, como um hotel, com closets, uns quatro metros de cada lado, e vestidos pendurados nos cabides. Como essa riqueza e abundância foram concedidas à pobre Nina, que nunca havia tido uma roupa íntima razoável, e usava eter­namente o mesmo sobretudo no inverno e três vestidos, um mais velho que o outro? Havia se casado, mas aqui? Foi para aquele lugar selvagem, aquele vazio à beira-mar onde as pessoas não moram, e sim esperam o verão, quando será possível alugar quartos para estranhos. Mas e aquelas escadas, os corredores, as passagens; e além disso não saí do apartamento pela mesma porta, dei por mim na portaria vizinha, de mármore branco, onde já entravam alunos de escola com professoras numa excursão.

Bem, ela se casou, no fim das contas era isso. Nina havia trocado seu apartamento de um quarto em Moscou, onde vegetava com o filho, por aqueles aposentos, e ainda por cima com toda a mobília e até lençóis e roupas! Quer dizer, os donos da casa não haviam tocado em nada, eles apenas se retiraram, e por isso Nina tinha o ar preocupado, porque havia duas camas a mais no quarto — eram camas da dona da casa e do filho, um jovem pescador calado com bochechas gorduchas. A dona da casa pelo visto cuidava de seus afazeres como antes, pelo visto cuidava da casa, e nos sentamos à mesa sob a supervisão dela; ela se comportava tal como uma sogra boa e tranquila, e como se Nina fosse sua nora querida, em nome da qual a sogra se desdobrava e se atarefava pela casa, mas na verdade mantendo todas as posições de mãe da família e principal pessoa da casa, sem permitir que a nora fizesse nada.

Acontece que a dona da casa havia feito uma troca com Nina. Nina largara seu trabalho no jornal da capital e se preparava para escrever sobre a região, sobre o mar, que ela sempre havia adorado — ela venerava tudo o que vinha do mar — , e enquanto isso ela circulava com o rosto preocupado por sua nova casa, da qual a antiga dona ainda não havia saído. Todas as formalidades foram cumpridas, Nina tinha os papéis, ela morava com o filho na casa, mas a senhoria idosa e o filho dela também estavam morando nessa casa por todo aquele inverno, e nem sombra de falar em mudança. Nina, que não era uma pessoa prática, era desleixada, habituada a deixar tudo seguir seu curso natural — por isso saiu do jornal para viver como autônoma e para supostamente desvendar toda a sua vida — , aceitou tudo o que estava acontecendo. Ela comia, bebia, ia até a praia, sentava lá, o filho dela ia para a escola local, bastante boa, não precisava de dinheiro, toda aquela família duplicada se alimentava com dádivas do mar que o jovem pescador trazia no barco.

— Quem é ele? — perguntei, e Nina respondeu sem hesitar que ele era filho do deus do mar, Posêidon, podia viver e respirar debaixo da água, de lá trazia tudo, ia a pé para vários países pelo fundo do mar e trazia não só peixe, mas também conchas e pérolas, assim como tudo para a casa e para a família.

Com isso a antiga esposa de Posêidon, que não se sabe por que aceitara Nina completamente arrasada sob seus cuidados, se sentava na cadeira principal, sob uma janela alta, e nos dava de comer e nos dava de comer, e na minha memória sempre surgia da suíte de luxo digna de hotel, com lençóis magníficos como espuma do mar, e com quatro camas — e imaginava que é assim que é preciso ser, deixar tudo seguir seu curso, sem lutar, afrouxar os braços, e então você vai respirar debaixo daquela água, e o deus Posêidon vai te tomar e te instalar em condições nada ruins. Pois, ao voltar para casa em Moscou, fiquei sabendo que Nina não havia se mudado para lugar nenhum, e justo no ano anterior havia se afogado com o filho pequeno, estavam no famoso naufrágio de uma lancha de passeio perto daquela mesma costa onde eu acabara de passear, sem suspeitar de nada.

Liudmila Petruchévskaia, "Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha: Histórias e contos de fadas assustadores"

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