sexta-feira, fevereiro 4

Assim começa...

Esta é a primeira lembrança que tenho de Henry: estou parado na porta de um dos três quartos do apartamento térreo que me foi destinado em um dos alojamentos da universidade; de costas para mim, um rapaz ruivo, alto e esguio debruça-se pela janela aberta e acena para alguém. Ao ouvir meus passos, ele se volta e aponta: Olhe só. Tem uma garota linda ali, jogando beijos para mim. Nunca a vi antes. Só pode ser doida.

Caminhei até a janela. Parada no gramado, a não mais de três metros de onde estávamos, uma garota de fato jogava beijos e acenava na direção da janela. Entre um beijo e outro, sorria, e uma espessa camada de batom vermelho fazia com que sua boca parecesse bem grande. Vestia um conjunto bege de tweed, meias verde-escuras e um chapéu tirolês com uma peninha de pavão. A dois ou três passos dela, vi uma senhora de meia-idade, que também trajava um conjunto de tweed, só que mais escuro, e um chapéu de feltro marrom. Alguma coisa nela - o chapéu, talvez, ou seu aspecto altivo e distinto - lembrou-me Ingrid Bergman em Casablanca, prestes a embarcar no avião para Lisboa. Em parte por causa da semelhança nos trajes, imaginei que se tratasse da mãe da garota.

No caminho que, em diagonal, conduzia à biblioteca Widener, estudantes diversos haviam se detido para, boquiabertos, admirar a cena. Nem a extravagância da filha nem a plateia que ela atraíra pareciam perturbar a mãe, que, no entanto, passados alguns minutos, sussurrou algo em tom baixo demais para que a ouvíssemos, e a garota, depois de jogar um beijo derradeiro, lançou os braços para cima, num gesto teatral de desespero. Então, as duas se foram.

Estou apaixonado, suspirou o rapaz ruivo. Quero me jogar aos pés dela.

E por que não se joga?, repliquei, brincando, mas não muito. Ainda dá tempo. Basta pular agora da janela e você nem vai precisar correr para alcançá-las.

Ah, não, lamentou-se ele, não posso. Por que tinha de acontecer justo hoje, que não estou preparado?

Como não havia um pingo de ironia na voz dele ou em sua expressão, eu devia ter deixado o assunto morrer. Em vez disso, disse-lhe que, embora uma declaração formal de amor talvez fosse prematura, não havia mal nenhum em convidá-la para uma xícara de café em Harvard Square.

Ele balançou a cabeça com amargura. Eu não me atreveria, disse. Não vê como ela é maravilhosa? Uma Pentesileia de tweed! Ninguém menos que o filho de Peleu seria capaz de domá-la. Sou indigno até mesmo de seu desdém.

O rosto dele era uma máscara de desânimo.

Imagino que eu tenha encolhido os ombros. Ou isso ou a expressão no meu rosto talvez tenha traído minha impressão de que aquilo era um exagero. O rapaz ruivo se recompôs e, com um sorriso suave no rosto, comentou: Você deve ser um dos meus companheiros de quarto. Sou Henry White... de Nova York.

Nenhum comentário:

Postar um comentário