sexta-feira, junho 9

Como se dorme num navio de guerra

Basta por ora de falar sobre minha desafortunada jaqueta; permitam-me passar à minha maca, e às tribulações que por ela experimentei.

Deem-me espaço o bastante para me balançar nela; permitam-me balançar entre duas tamareiras numa planície da Arábia; ou esticá-la entre colunas mouriscas no mármore exposto do Pátio dos Leões, em Alhambra; ou suspender-me num elevado promontório do Mississippi, onde ora atravessamos o puro éter, ora estamos sobre a verde relva; ou oscilar como um pêndulo sob o fresco domo da catedral de são Pedro; deixem-me cair envolto por ela, como num balão, do mais elevado do céu, tendo todo o firmamento para me embalar e vaguear — e eu não trocaria minha maca feita da mais tosca lona pelo grande baldaquino no qual, como uma suntuosa carruagem, enfia-se e embrulha-se um rei quando este passa a noite no Palácio de Blenheim.


Quando se dispõe do espaço requerido, sempre se tem retrancas em sua maca; isto é, dois bastões horizontais, um de cada lado, que servem para manter as pontas separadas e criar um amplo vazio entre elas, onde você pode se virar à vontade — deitado de um lado ou de outro; de costas, se for do seu agrado; ou ainda esticar as pernas; em suma, relaxar; pois, dentre todas as estalagens, sua cama é a melhor.

Quando, porém, a sua maca está entre outras quinhentas, comprimida, esmagada de todos os lados, na coberta das macas de uma fragata, a terceira de cima para baixo; quando suas retrancas são proibidas por claríssimo édito saído da cabine do capitão; e cada homem ao seu redor é ciosamente zeloso dos direitos e privilégios de sua própria maca, tal qual estabelecidos por lei e costume; nesse caso a maca se transforma em sua Bastilha, seu cárcere de lona; na qual e da qual tão difícil é entrar quanto sair; e onde dormir não passa de troça, de palavra sem sentido.

Quarenta e cinco centímetros por homem é tudo que lhe dão; quarenta e cinco centímetros de largura — esse é o espaço que se tem para balançar. Que horror! Dá-se mais espaço num cadafalso.

Nas noites quentes dos trópicos, sua maca parece uma caçarola; onde você cozinha até quase ouvir o frigir da própria pele. Em vão todos os estratagemas de ampliar suas acomodações. Ai de você, se o virem insinuar as botas ou quaisquer outros artigos à ponta da maca, à guisa de retranca. Dos mais próximos aos mais distantes, toda a fileira a que você pertence sente num instante a ocupação indevida e se agita até que se descubra o culpado e seu leito seja restrito ao espaço que lhe cabe.

Em pelotões e esquadrões, todos se deitam no mesmo nível; e as alças das macas se cruzam e recruzam em todas as direções, como se formassem uma imensa cama de campanha, estendida a meio caminho entre o teto e o chão; espaço que mede aproximadamente um metro e meio.

Numa noite muito quente, durante uma calmaria, quando estava tão quente que somente um esqueleto tinha condições de estar confortável (pela corrente de ar que lhe passasse por entre os ossos), depois de me empapar em meu próprio suor, desci discretamente da maca. Pensei comigo: vamos ver agora se, por meu engenho, não consigo chegar a um meio de ter espaço para respirar e dormir ao mesmo tempo. Já sei. Vou colocar minha maca abaixo de todas as outras; e então — ao menos nesse nível independente e próprio — terei toda a coberta para mim. Assim, desci minha maca ao ponto desejado — a aproximadamente oito centímetros do chão — e nela me deitei novamente.

Mas, ai!, esse arranjo transformou minha maca num tal semicírculo que minha cabeça e meus pés se alinharam, enquanto minhas costas curvaram-se indefinidamente na direção do convés — como se um arqueiro gigante me usasse de arco.

Havia ainda outro plano, contudo. Estiquei a maca com toda a minha força, de modo a colocá-la inteiramente acima das fileiras de leitos de um lado e de outro. Feito isto, num último esforço, nela subi — mas foi ainda pior! Minha desafortunada maca estava tesa e reta como uma tábua; e ali eu estava — estirado, com o nariz praticamente tocando o teto, como um homem morto contra a tampa do caixão.

Por fim, resignei-me a voltar ao meu antigo nível e refletir sobre a loucura, própria a quem vive sob governos arbitrários, de lutar para permanecer acima ou abaixo daqueles que a legislação coloca em igualdade consigo mesmo.

Falar em macas me faz recordar um ocorrido que se deu certa noite no Neversink. Ele se repetiu umas três ou quatro vezes, com resultados diversos, porém não fatais.

O quarto de folga dormia profundamente na coberta, onde reinava perfeito silêncio, quando um súbito estrondo e um grito acordaram todos os marinheiros; e as barras de um par de calças brancas desapareceram subindo as escadas da escotilha de popa.

Corremos na direção do grito e encontramos um homem caído no convés; uma das alças de sua maca correra, fazendo com que sua cabeça caísse perto de três balas de canhão, provavelmente postas ali de propósito. Quando se descobriu que o homem era suspeito havia muito de ser um informante em meio à tripulação, pouca surpresa e ainda menos prazer se manifestaram por ele ter sobrevivido por um triz.
Herman Melville, "Jaqueta Branca"

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