Vou dar um exemplo. Um dia, se calhar, para festejar bons resultados escolares, o meu pai conseguiu que um amigo com carro, do género calhambeque com patine, nos levasse, a mim e aos meus dois irmãos, ao Jardim Zoológico, que ficava fora da cidade. Íamos ao fim da manhã e iam-nos buscar ao fim da tarde. Mas não íamos com as mãos a abanar: levávamos uma feijoada para o almoço, um livro com boas histórias e água geladinha. Depois de uma visita gulosa aos bichos, comíamos a suculenta e bem recheada feijoada e, no fim do almoço, refastelávamo-nos no chão, como leões saciados e mergulhávamos, deslumbrados, na história do João Grande e do João Pequeno. E, depois dessa, em todas as outras, desses mundos que não conhecíamos mas que nos arrancavam, por momentos e com muita força, da Estrada do Zixaxa! Sair da Estrada do Zixaxa para os desertos africanos do Beau Geste ou para os mares do Errol Flynn ou para os paradeiros do João Grande, com poucos recursos mas com uma data de energia e imaginação – era a nossa grande proeza. Uma tarde no Jardim Zoológico, com bichos iguais aos que víamos no cinema, com uma feijoada do camando, água geladinha e histórias a dar com um pau, caramba, se isto não era ser milionário, então não sei o que seria! Era baril! Ninguém, mas ninguém, no resto do mundo, naquele momento, estava a ter um dia como aquele.
A inveja que aqueles ricaços deviam ter de nós! Bem feito! Não vive aquelas coisas quem quer, vive-as só quem sabe e pode. E nós éramos, de longe, nessa altura, os mais sábios e poderosos do mundo, naquela África quente e com espaço a nunca mais acabar. Sem cheta, mas ali, ao leme, como gente! Que se lixasse o dinheiro: a força e a alegria estavam noutro lado! Quem estava a ter um dia porreiríssimo éramos nós e não aqueles ricaços aloirados da Polana. Que, ainda por cima, usavam palavras difíceis que eu nunca ouvira!
Eugénio Lisboa
Eugénio Lisboa
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