Não mordas assim as palavras para que não te surpreendas, não as decepes. Não deixes a espada vil da mentira roubar-lhes a alegria. Quando as disseres aperta-as contra o peito. Faz um esforço por senti-las. Nas palavras cabem sempre o que para isso for preciso. Entra dentro delas como um milagre, como se uma pedra, de repente, se tornasse numa cigarra, como se o mar inteiro não te afogasse. Não as fites para as afastar. Não as rejeites. Pensa-as muitas vezes. As palavras não podem acordar com essa intenção de magoar. Distingue-as, toca nelas lentamente. Deixa que sejam limpas, que tenham chão, que façam vento. Dá-lhes a frescura de um limão, o êxtase que nelas se pode demorar. Não as digas, beija-as. As palavras povoam o que tu não podes povoar.
Ama as palavras, a possibilidade que são de poderes sonhar. Diz: Lua, grave, animal, gravura, diz verbo, teia, largura, diz pedra, luz água, jardim, planeta, unha, diz as palavras límpidas e transparentes, como amarelo, tremor, invenção, como clarão, erva, ou pão e verás como as palavras são fábulas, enredos, e as forças da língua em que vives e do chão de onde as dizes.
Eduardo White
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