Estávamos num salão vazio no segundo andar do belo hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e Oz discorria com paixão sobre o idioma hebraico:
— É um instrumento tremendo, ao mesmo tempo antigo e moderno. É cheio de ecos da antiguidade, os salmos e profetas estão todos lá, e no entanto é uma língua contemporânea. Deve-se ter muito cuidado com esse instrumento maravilhoso, como quem toca órgão numa catedral.
A princípio não entendi. Cuidado por quê? Qual era o perigo?
— Conjurar ecos monstruosos — explicou Oz. — Se você tocar sem querer certas cordas bíblicas, soará grotesco, ridículo. Isso é ótimo para a paródia e a ironia, mas você precisa saber o que está fazendo. É um campo minado.
O pé-direito alto do salão em que nos encontrávamos parecia ilustrar o elegante argumento. Me ocorreu então um pensamento que, embora talvez óbvio, recebi como uma epifania: toda língua é uma caixa de ressonância e um campo minado. Se um escritor de língua portuguesa dificilmente evocará profetas, pode, de propósito ou não, conjurar num único texto os fantasmas de Camões, Vieira, Machado, Bandeira, Vinicius. Ou Didi Mocó.
É a tradição literária acumulada e o peso que ela tem na cultura geral, dependente do grau de letramento da sociedade, que vai determinar no fim das contas a intensidade dessa reverberação — a altura do pé-direito, por assim dizer, que tanto pode ser o de uma catedral magnífica como o de uma capelinha de província.
Sentado ao órgão, o escritor produz a música que seu talento lhe sopra, mas também a que sua caixa de ressonância lhe permite produzir. Ao mesmo tempo, ao contrário do que ocorre no mundo físico — o que demarca o limite da metáfora oziana —, os acordes que saem dos tubos têm o potencial de sustentar o teto, impedindo que ele desabe e até, nos casos mais felizes, ajudando a elevá-lo.
Sérgio Rodrigues, "Viva a língua brasileira!"
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