Havia um casal que tinha uma inveja terrível dos amigos turistas - especialmente dos que faziam turismo no exterior: Ele, pequeno funcionário de uma grande firma, ela, professora primária, jamais tinham conseguido juntar o suficiente para viajar. Quando dava para as prestações das passagens não chegava para os dólares, e vice-versa; e assim, ano após ano, acabavam ficando em casa. Economizavam, compravam menos roupa, andavam só de ônibus, comiam menos - mas não conseguiam viajar para o exterior. Às vezes passavam uns dias na praia. E era tudo.
Contudo, tamanha era a vontade que tinham de contar para os amigos sobre as maravilhas da Europa, que acabaram bolando um plano. Todos os anos, no fim de janeiro, telefonavam aos amigos: estavam se despedindo, viajavam para o Velho Mundo. De fato, alguns dias depois começavam a chegar postais de cidades europeias, Roma, Veneza, Florença; e ao fim de um mês eles estavam de volta, convidando os amigos para verem os slides da viagem. E as coisas interessantes que contavam! Até dividiam os assuntos: a ele cabia comentar os hotéis, os serviços aéreos, a cotação das moedas, e também o lado pitoresco das viagens; a ela tocava o lado erudito: comentários sobre os museus e locais históricos, peças teatrais que tinham visto. O filho, de dez anos, não contava nada, mas confirmava tudo; e suspirava quando os pais diziam:
- Como fomos felizes em Florença!
O que os amigos não conseguiam descobrir era de onde saíra o dinheiro para a viagem; um, mais indiscreto, chegou a perguntar. Os dois sorriram, misteriosos, falaram numa herança e desconversaram.
Depois é que ficou se sabendo.
Não viajavam coisa alguma. Nem saíam da cidade. Ficavam trancados em casa durante todo o mês de férias. Ela ficava estudando os folhetos das companhias de turismo, sobre - por exemplo - a cidade de Florença: a história de Florença, os museus de Florença, os monumentos de Florença. Ele, num pequeno laboratório fotográfico, montava slides, em que as imagens deles estavam superpostas a imagens de Florença. Escrevia os cartões-postais, colava neles selos usados com carimbos falsificados. Quanto ao menino, decorava as histórias contadas pelos pais para confirmá-las se necessário.
Só saíam de casa tarde da noite. O menino, para fazer um pouco de exercício; ela, para fazer compras num supermercado distante; e ele, para depositar nas caixas de correspondência dos amigos os postais.
Poderia ter durado muitos e muitos anos, esta história. Foi ela quem estragou tudo. Lá pelas tantas, cansou de ter marido pobre, que só lhe proporcionava excursões fingidas. Apaixonou-se por um piloto, que lhe prometeu muitas viagens, para os lugares mais exóticos. E acabou pedindo divórcio.
Beijaram-se pela última vez ao sair do escritório do advogado.
- A verdade - disse ele - é que me diverti muito com a história toda.
- Eu também me diverti muito - ela disse.
- Fomos muito felizes em Florença - suspirou ele.
- É verdade - ela disse, com lágrimas nos olhos. E prometeu-se que nunca mais iria a Florença.
Moacyr Scliar, "Dicionário do viajante insólito".
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