O Juca
O Juca era da categoria das chamadas pessoas sensíveis, dessas que tudo lhes toca e tange. Se a gente lhe perguntasse: “Como vais, Juca?”, ao que qualquer pessoas normal responderia: “Bem, obrigado!” – com o Juca a coisa não era bem assim tão simples. Primeiro fazia uma cara de indecisão, depois um sorriso triste contrabalançado por um olhar heroicamente exultante, até que esse exame de consciência era cortado pela voz do interlocutor, que começava a falar chãmamente em outras coisas, que a aliás o Juca não estava ouvindo… Porque as pessoas sensíveis são as criaturas mais egoístas, mais coriáceas, mais impenetráveis do reino animal. Pois meus amigos, da última vez que vi o Juca, o impasse continuava… E que impasse!
Estavam lhe ministrando a Extrema-Unção. E, quando o sacerdote lhe fez a tremenda pergunta, chamando-o pelo nome: “Juca, querer arrepender-te dos teus pecados?”, vi que, na sua face devastada pela erosão da morte, a Dúvida começava a redesenhar, reanimando-a, aqueles seus trejeitos e caretas, numa espécie de ridícula ressurreição. E a resposta não foi nem “sim” nem “não”; seria acaso um “talvez”, se o padre não fosse tão compreensivo. Ou apressado. Despachou-o num átimo e absolvido. Que fosse amolar os anjos lá no Céu!
E eu imagino o Juca a indagar, até hoje:
- Mas o senhor acha mesmo, sargento Gabriel, que ele poderia ter me absolvido?Mario Quintana
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