quinta-feira, agosto 3

Magia diária

Os livros se espalham pelas cadeiras, bancos, sofá em pilhas como torres de Pisa; formam pequenos montes pelo chão. As estantes, entulhadas, ficam no limite do equilíbrio que o tirar ou colocar livros pode causar um desabamento. Pouco espaço livre há. Um tantinho na mesa sobrecarregada, quase sumindo em meio à livralhada, e livre apenas a cadeira para se balançar na leitura.

As janelas só deixam entrar o céu de estrelas, nuvens e sol, e o jardim com flores e perfumes. Um fiapo de lago se avista longe.


Nesse canto de muro, há uma diária manipulação de alfarrábios, grossos volumes esquecidos, encadernações desgastadas, brochuras. A alquimia aqui se faz de palavras, de frases, de longos trechos. Um pedaço aqui, outro ali. As folhas são viradas e reviradas atrás da medida certa para o composto correto para a felicidade do momento. Um elixir preparado a cada dia com novas receitas.

Por mais que periguem de desmoronar as pilhas, ou o vento vire as páginas de livros abertos, há um trabalho constante e renovado. É preciso ler e reler, tresler.

A pedra filosofal é feita de muitas, milhares, centenas de milhares dessas poções que são recolhidas dos livros. Magia diária da leitura.
Marcel Proust

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