quinta-feira, agosto 10

Gambiarras literárias

Trocar inteiramente livros didáticos físicos por produtos digitais nunca foi uma boa ideia. Ainda que a tecnologia possa tornar as aulas mais atraentes, incorporando rico material de apoio, há uma montanha de evidências empíricas mostrando que a leitura em papel é mais eficaz do que a em tela. No suporte tradicional, o leitor dedica mais atenção à atividade e retém melhor as informações aprendidas.

Não é um efeito muito forte, mas ele aparece de forma consistente na maior parte dos estudos. Os livros da neurocientista Maryanne Wolf sobre o assunto são uma excelente fonte de dados e interpretações.

Uma parte do problema é fácil de explicar. O sujeito que vai ler um livro no computador ou no celular facilmente se deixa distrair pelas múltiplas tentações da internet. A luz oscilante das telas também torna a tarefa mais cansativa.

Quando passamos das telas para dispositivos de leitura como o Kindle, em que a internet não está tão disponível e que trocam a luz azul pela tecnologia do papel líquido, os efeitos adversos se reduzem, mas não desaparecem. Uma hipótese para explicar a persistência da diferença é que há fisicalidade na leitura.

Virar páginas e monitorar pelos olhos o avanço do processo ajudam o cérebro a montar os mapas mentais em que ele se apoia para realizar tarefas e memorizar informações. No caso da escrita, o vínculo entre a parte motora (desenhar as letras) e o aprendizado já está bem estabelecido.

Essas conexões inesperadas se tornam menos misteriosas se considerarmos que a leitura e a escrita, ao contrário da linguagem falada, são novidades em nossa história evolutiva. Ainda não desenvolvemos estruturas cerebrais especializadas para lidar com elas. O que fizemos foi cooptar outras estruturas. O reconhecimento de letras, por exemplo, se dá na mesma área que reconhece rostos. Desse amontoado de gambiarras e puxadinhos, aparecerão mesmo algumas surpresas.

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