Foi quando ele veio para Ashland. À noite, enquanto os habitantes dormiam, Karl percorria os quintais e jardins em busca de comida. No início, ele só pegava o que crescia ali. De manhã, o povo de Ashland encontrava plantações inteiras de milho saqueadas, as macieiras vazias, a caixa-d’água seca. Ninguém sabia o que fazer. Karl, que se tornara grande demais para morar em sua casa, tinha se mudado para as montanhas que rodeavam a cidade. Quem ousava enfrentá-lo em tal terreno? E o que fariam aquelas pessoas diante do monstro terrível em que Karl havia se transformado?
Esta pilhagem continuou por algum tempo, até que um dia doze cachorros desapareceram. Parecia que a própria vida da cidade estava ameaçada. Algo tinha que ser feito — mas o quê?
Meu pai concebeu um plano. Era perigoso, mas não parecia haver mais nada a fazer, e com a bênção de toda a cidade, numa bela manhã de verão, papai se pôs a caminho. Ele se dirigiu para as montanhas, onde sabia que havia uma caverna. Era lá que ele achava que Karl morava.
A caverna ficava escondida atrás de um conjunto de pinheiros e de uma grande pilha de rochas, e meu pai sabia da existência dela por ter resgatado uma menina que havia se perdido nela muitos anos antes. Ele parou diante da caverna e gritou:
— Karl!
Ele ouviu o eco da própria voz.
— Apareça! Eu sei que você está aí. Eu trouxe uma mensagem da nossa cidade.
Passaram-se alguns momentos no silêncio da floresta antes de meu pai ouvir um ruído e sentir um tremor que pareceu mover a própria terra. Então, da escuridão da caverna surgiu Karl. Ele era maior do que meu pai tinha ousado sonhar. E como seu rosto era assustador! Coberto de cortes e escoriações decorrentes daquela vida selvagem — e por vezes com tanta fome que não esperava que sua comida morresse, e às vezes a comida resistia. Seu cabelo negro era comprido e coberto de gordura, sua barba espessa e emaranhada cheia de comida e de insetos que se alimentavam das migalhas.
Quando viu meu pai, ele começou a rir.
— O que você quer, pessoinha? — disse com um sorriso tenebroso.
— Você precisa parar de vir a Ashland em busca de comida — meu pai falou. — Nossos fazendeiros estão perdendo suas colheitas, e as crianças sentem falta de seus cachorros.
— O quê? E você pretende me impedir? — Sua voz retumbava ao longo dos vales, sem dúvida chegando até Ashland. — Ora, eu posso quebrar você com minhas mãos como se fosse um galho de árvore!
Para demonstrar isso, ele agarrou um galho de pinheiro e o transformou em pó entre os dedos.
— Ora — continuou —, posso comer você num instante! Eu posso!
— E foi para isso que eu vim até aqui — meu pai disse.
A face de Karl contorceu-se então, ou de perplexidade ou porque um dos insetos tinha rastejado para fora da sua barba e subido por seu rosto.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que vim aqui para você me comer. Sou o primeiro sacrifício.
— O primeiro... sacrifício?
— Em sua honra, ó grande Karl! Nós nos submetemos ao seu poder. A fim de salvar muitos, compreendemos que precisamos sacrificar alguns. Isso me torna... o quê?... almoço?
Karl pareceu confuso com as palavras de meu pai. Sacudiu a cabeça para clareá-la, e uma dúzia de insetos voaram de sua barba e caíram no chão. Seu corpo começou a tremer e, por um momento, pareceu que ele ia cair. Ele teve que se encostar na montanha para recuperar o equilíbrio.
Foi como se tivesse sido atingido por uma arma. Como se tivesse sido ferido em combate.
— Eu... — ele disse baixinho, até com tristeza. — Eu não quero comer você.
— Não quer? — meu pai disse, bastante aliviado.
— Não. Eu não quero comer ninguém. — E uma lágrima gigantesca rolou pelo seu rosto machucado. — É que eu tenho tanta fome — ele disse. — Minha mãe costumava preparar refeições deliciosas, mas aí ela foi embora, e eu não sabia o que fazer. Os cachorros... sinto muito pelos cachorros. Sinto muito por tudo.
— Eu entendo — meu pai disse.
— Não sei o que fazer agora. Olhe para mim... eu sou enorme! Tenho que comer para viver. Mas estou sozinho agora, e não sei...
— Cozinhar — meu pai disse. — Plantar alimentos. Criar animais.
— Exatamente. Acho que eu devia ir para o fundo desta caverna e nunca mais sair. Já causei muitos problemas.
— Nós podemos ensinar — meu pai disse.
Karl levou alguns instantes para compreender as palavras de meu pai.
— Ensinar-me o quê?
— A cozinhar, cultivar alimentos. Há muitos acres de terra aqui.
— Você quer dizer que eu poderia tornar-me um fazendeiro?
— Sim — meu pai disse. — Poderia.
E foi exatamente isso que aconteceu. Karl tornou-se o maior fazendeiro de Ashland, mas a fama de meu pai tornou-se ainda maior. Diziam que ele era capaz de conquistar qualquer um, simplesmente atravessando uma sala. Diziam que ele tinha sido abençoado com um poder especial. Mas meu pai era humilde, e dizia que não era nada disso. Ele simplesmente gostava das pessoas, e as pessoas gostavam dele. Era simplesmente isso, dizia.
Daniel Wallace, "Peixe Grande"
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