Há uns dias falei de destruir livros em bibliotecas e livrarias, e hoje o livro de que falarei vem a propósito. Diz-se que o autor checo Bohumil Hrabal afirmou ter vivido apenas para escrever Uma Solidão demasiado Ruidosa, romance que se tornou obra de culto para todos os que acreditam que os livros não vão morrer nunca, apesar de muitos os terem, ao longo do tempo, condenado à morte, sobretudo ditadores e líderes religiosos para quem o que traziam escrito podia ser uma ameaça ao seu poder. Mas nem a Inquisição nem a Censura fascista ou comunista foi capaz de matar a memória, e a palavra escrita e, até ver, os livros importantes continuam a ser escritos e lidos contra a barbárie e a arrogância da ignorância. Hanta, o protagonista deste romance de Bohumil, prensa livros e papel há trinta e cinco anos e, não resistindo a ler uma frase aqui e outra ali, acabou por tornar-se um homem extremamente culto que, entre a miséria e muitas canecas de cerveja, cita Hegel e Lao-Tsé. De há muito para cá, numa cave infecta e cheia de ratos (que também vão parar à prensa de vez em quando), separa das enormes pilhas de papel os livros que o mandam destruir e tem, por isso, toneladas de obras literárias no seu quarto de dormir, o que ninguém sabe e poderia perturbar realmente a sua paz. Mas eis que chega a grande prensa tecnicamente desenvolvida (que, na verdade, dispensará o seu trabalho manual), bem como os rapazes e raparigas com fardas coloridas e cursos superiores que são os novos prensadores a mando da nação... Que será do pobre Hanta e dos seus livros? Com um final inesquecível, este romance (que foi censurado na sua época, ensina que o riso silencioso dos livros se ouve sempre, mesmo entre as engrenagens de uma prensa).
Nenhum comentário:
Postar um comentário