quinta-feira, outubro 19

Concorrência desleal

Aos jovens receosos de participar de concursos literários convém lembrar que, se houver algum Shakespeare entre os inscritos, se tratará de mero pseudônimo.

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O amor lhe acenou ainda uma vez, mas era já como uma petição de clemência encontrada no colchão da cela de um prisioneiro executado no mês anterior.

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Se lhe pedem um litro, ele dá meio copo. É um filantropo, ma non troppo.

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A minha mente estressada não sabe mais o que faz. O que tenho não me agrada, o que não tenho me apraz.

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Talvez possamos ainda ser úteis, não para as questões virtuais da humanidade (a descoberta da Causa Essencial, a busca da Suprema Verdade), mas para as coisinhas mais fúteis, que não exigem descortino nem sagacidade, como dar abrigo a um cãozinho ou salvar um passarinho da enxurrada. Talvez possamos ainda, talvez ainda uma vez.

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No tempo em que se sabia o que eram pronomes oblíquos, era proibido começar frases com eles.

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Que ninguém se abale ou se abata ao se comparar a Shakespeare. Ele ser dez, cem, mil, um milhão de vezes superior a nós não é mais do que uma obrigação. Ele começou quatrocentos anos antes que nós.

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Afetados por uma série de súbitos desastres financeiros que os obrigaram a vender pela metade do valor todos os seus imóveis, os concretistas lamentam porque não nasceram na época em que os poetas perdiam no máximo o bonde e a esperança.

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No domingo de primavera, o sol e o mar acumpliciaram-se tão torpemente que o suicida, contemplando-os da sacada do décimo andar, resolveu deixar para a segunda-feira seu projeto e seu salto.

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Mesmo que só um pouco, me deixe ficar, me dê uma beirada de cama ou um cantinho de sofá. Não sei latir muito bem, nem miar, mas se você me perdoar por ser presunçoso posso tentar ser carinhoso e serviçal como um poodle ou um gato angorá.
Raul Drewnick]

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