quinta-feira, junho 27

2050 será assim

Em 2050, é provável que eu não esteja mais aqui. Deixarei representantes bem melhores do que eu.

Em 2050, o Brasil continuará a ser o país do futuro. Não teremos ainda um prêmio Nobel, nem água tratada em 100% das casas, mas seremos octacampeões mundiais de futebol. Muita gente terá esquecido quem foi Taiguara; em compensação, Pixinguinha ainda será assobiado nas ruas por jovens de mãos nos bolsos.

Não vai mais existir carro a gasolina, telefone fixo, nota de dinheiro, fila no banco, mercadinho na esquina, gravata em repartição e, do jeito que tem subido prédio, nenhum sobrado nas ruas de Pinheiros. Em compensação, os guarda-chuvas, lápis e papeis higiênicos pouco terão mudado em sua forma e função.

Os sapatos não mais apertarão em 2050, os ônibus serão confortáveis e os elevadores, movidos a telepatia. O ar puro será vendido em spray nos supermercados, e nossas florestas terão crescido em área o equivalente a quinhentos mil Maracanãs. Não terá surgido outro Pelé, outro Saramago, um segundo Da Vinci, mais um Beethoven, e as pessoas só se lembrarão do nome de dois dos Beatles.

Em 19 de setembro de 2050, o sol nascerá pontualmente às seis e vinte e um e vai se pôr às dez para as sete. Os sorvetes serão prescritos como antidepressivos. Trânsito não será mais assunto nas rádios. Bares ganharão o status de consultórios psicoterápicos. Portugueses e brasileiros continuarão a discutir sobre o uso dos verbos no gerúndio ou no particípio. Finalmente, seremos uma potência olímpica. Galvão Bueno anunciará sua aposentadoria com voz embargada. Alguns fins justificarão os meios.

Em 2050, a preguiça será imensa, e só os robôs se cansarão. Mesmo com décadas de tentativas e experimentos, a melhor combinação do Universo seguirá sendo caipirinha com mariscos, seguida bem de pertinho por pão de queijo com café. Como os carros serão inteligentes, haverá grande procura nos parques de diversões pelo carrinho de bate-bate, para matar as saudades de uma boa batida seguida de gestos e xingamentos impublicáveis. As geladeiras também serão inteligentes, os elevadores, idem, os celulares, cada vez mais, mas ainda haverá quem creia piamente em horóscopos e nos populistas.

Em cada cidade do país haverá ao menos uma livraria e uma biblioteca, com funcionários sabedores de seu ofício. Crentes e ateus entrarão em acordo. As torcidas de futebol voltarão a compartilhar em paz as arquibancadas dos estádios. Viajar de ônibus, ler no ônibus, cochilar e acordar quando estiverem despontando as estrelas continuará a ser um bom jeito de viver em 2050.

As pessoas sairão para se encontrar no cinema, chupar drops na sala escura, depois emendarão com um chopinho para discutir o filme, e no fim se perguntar qual era mesmo a graça de ficar assistindo séries em série, sozinhas em casa.

O ano de 2020 será estudado como o mais esquisitão da história. O clima vai sossegar e desistir dessa ideia meio besta de acabar com o mundo. O crime continuará a não compensar em 2050. Haverá ainda a desigualdade entre os homens, mas muito, muito menos desigual. Estará provado, de uma vez por todas, que devagar se vai ao longe.

Por fim, contrariando o primeiro parágrafo, graças a um remédio que será descoberto no segundo semestre de 2037 a partir de ervas e raízes milagrosas da Amazônia, ainda estarei por aqui sim. Espero que ninguém fique decepcionado.
Cássio Zanatta

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