Marques Rebelo tem o mesmo cabelo cortado à escovinha do tempo em que eu o conheci, o olhar rápido e malicioso. Mas há uma coisa nova no seu rosto: mais bondade do que antes, o que certamente a vida lhe veio ensinando. Era conhecido como tendo uma língua venenosa que não poupava ninguém. Também isso o tempo e a experiência e um natural cansaço vieram amenizar.
Marques Rebelo é seu “nome de guerra”. O verdadeiro é Eddy Dias da Cruz, nome que parece ter outra personalidade. Marques Rebelo achou que era necessária uma eufonia mínima para um nome literário, e rebatizou-se: acha que todo mundo devia batizar-se sozinho. Os dois nomes se fundiram e ele ficou uno. Começou a escrever quase menino. Escrevia, mas não se comunicava nem consigo próprio e rasgava os papéis. Aos 19 anos publicou poesias em revistas modernistas como Antropofagia, Verde. Mas envergonha-se desse seu passado poético. Aos 21 anos, em plena vida de soldado, escreveu Oscarina que lhe deu satisfação. Seguiram-se Três caminhos, Marafa, A estrela sobe, Stella me abriu a porta e – depois de largo tempo longe da ficção – os volumes do Espelho partido, que é uma tentativa de painel da vida brasileira, feita de infinitos fragmentos. É produto de paciência, quase de obstinação. Trabalha por disciplina, sem esperar por inspiração: escreve sempre, mesmo que seja para jogar fora ou refazer 30 vezes. Para ele, reescrever é mais importante que escrever.
E a madrugada é a sua hora. O silêncio é que convida. Descobriu a noite desde meninote, quando tinha durante o dia que trabalhar.
O livro de literatura que gostaria de ter escrito e o deixaria plenamente satisfeito é Nils Lyhne, de Jacobs: acha-o apaixonante.
Quanto aos novos escritores, opina que são ainda os mais velhos que estão conduzindo o barco: os moços ainda não deram seu depoimento, parece que um horizonte tão aberto os assusta. Acha que, bem ou mal, está dando o seu recado. Concorda que é o escritor mais carioca do Brasil, mas não acha isso uma qualidade e sim produto de circunstâncias.
Quando perguntado sobre o que faz na Academia Brasileira de Letras responde sorrindo que marca passo para o mausoléu. Não se queixa dos críticos, às vezes se queixa de si mesmo. O momento mais decisivo de sua vida talvez tenha sido aquele em que decidiu ser escritor.
Viveu sempre modestamente, de trabalhos extraliterários, de modo a que lhe sobrasse tempo para ler e escrever. É um grande leitor. E escrever, para ele, vale a pena: é o seu reduto de liberdade. Fora escrever, o que mais lhe agrada mesmo é viver.
A literatura, segundo ele, nunca traz amigos, no máximo traz alguns simpáticos desafetos. Em literatura se sente muito sozinho; em vida se reparte bastante.
Nasceu em Vila Isabel, morou na Tijuca, Botafogo e Laranjeiras, cada bairro com uma personalidade própria: o Rio é uma cidade com muitas cidades dentro.
Seu clube de futebol? América, única paixão de sua vida. Esse time o alucina. O América perde sempre... Gosta de cinema, mas prefere teatro.
Quanto ao preço alto que se paga na vida, ele acha que vale.
Clarice Lispector, "Todas as crônicas"
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