sexta-feira, junho 14

Entre os cupins e os clássicos

Não acreditem no Instagram; as pequenas alegrias da vida são, quase sempre, pequenas mesmo, quase invisíveis. Semana passada, por exemplo. Descobri que uma linda boneca russa que trouxe de Moscou há anos estava sendo destruída por cupins — uma luta inglória, essa; já troquei estantes, já perdi livros e objetos, já saí de casa com os gatos por quatro dias para que tudo fosse devidamente descupinizado, e ainda assim continuo encontrando cupins. Atrás da minha casa há uma pedra enorme com uma florestinha e pronto, é isso. Mas eu estava falando da matryoshka: toda devorada. Eu sacudia e ela chacoalhava com a poeira solta. Lá dentro, dezenas deles, roliços, brancos, vivos e nojentos, muito nojentos.

A boneca não teve salvação. Antes de jogá-la no lixo, porém, tive a ideia de separar os cupins e servi-los ao aquário. Seus habitantes são insignificantes, coitados, só uns camarõezinhos miúdos e meia dúzia de pequenos guppies que nasceram aqui mesmo e que vivem de ração mas, numa fração de segundo, todos eles, que jamais viram um cupim na vida, entenderam que aquilo era alimento e se refestelaram.

Este episódio banal foi singularmente satisfatório. A minha boneca russa foi vingada e, de quebra, eu me senti muito feliz em proporcionar aos peixes e aos camarõezinhos uma refeição tão nutritiva.

Um jantar de cupins para os peixes: às vezes, é o que temos.

Outra alegria sutil foi constatar que nenhum dos livros que estavam debaixo da finada matryoshka havia sido atacado.

Aliás: tive várias alegrias com livros ao longo da semana dos cupins. Gastei todo o meu dinheiro em meia dúzia de volumes da Folio, de Londres, e eles finalmente chegaram. A Folio faz os livros que a Gisele Bündchen seria se fosse de papel.

Também mandei vir “The Little Prince”, de Saint-Exupéry, numa edição deliciosa da Penguin UK, porque nunca havia lido ele em inglês, e uma outra edição igualmente irresistível de “The Great Gatsby”, de Scott Fitzgerald, que já li muitas vezes, mas justifiquei com a curiosidade de ver o que a Penguin dos Estados Unidos entenderia por “Deluxe Edition”.

Só posso dizer uma coisa: eles sabem do que estão falando.

Uma capa magnífica. Orelhas generosas. Tipos grandes. Nova introdução bastante pessoal (mas apenas razoável) de Min Jin Lee, a autora de “Pachinko”, que situa o romance para os jovens leitores de hoje. E, surpresa, um corte irregular que dá às páginas o ar antiguinho dos tempos em que as abríamos com espátulas. Ao contrário dos tesouros da Folio, ele é quase uma pechincha: custa exatos R$ 56,58 na Amazon.

É curioso ver como essas editoras queridas, que são a mesma mas não são (ambas pertencem ao grupo Penguin Random House, mas têm times editoriais, catálogos e estratégias de marketing distintos), entenderam o mundo das booktokers caprichosas, que amam expor as suas estantes bem arrumadas e os seus livros bonitos. Cada qual à sua maneira, as duas oferecem belos objetos, feitos não só para boas leituras, mas também para chamar a atenção na internet.

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