Não sei o que terá acontecido com a espécie humana.
Esta ausência de pelos... Para os outros mamíferos a nossa nudez pode parecer repugnante como, para nós, a nudez dos vermes.
E, depois, a nossa verticalidade é antinatural. Estas mãos pendendo, inúteis, são ridículas como as dos cangurus sentados.
Se fôssemos peludos e quadrúpedes, ganharíamos muito em beleza e, sem a atual tendência à adiposidade, poderíamos ser quase tão belos como cavalos.
Felizmente, inventou-se a tempo o vestuário, que, pela variedade e beleza (a par de sua utilidade em vista do fatal desabrigo em que ficamos), redime um pouco esta degenerescência.
E acontece que inventamos também o mobiliário, os utensílios: no caso vigente, esta cadeira em que escrevo sentado a esta mesa, à luz artificial desta lâmpada.
E ainda este ato de escrever, isto é, de expressar-me por meio de sinais gráficos, é mais uma prova da nossa artificialidade.
Mas quem foi que disse que eu estou amesquinhando a espécie? Quero apenas significar que, em face das suas miseráveis contingências, o homem criou, além do mundo natural, um mundo artificial, um mundo todo seu, uma segunda natureza, enfim.
O homem, esse mascarado…
Mario Quintana, "Caderno H"
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