sábado, junho 1

Maura

Volta e meia estou recebendo cartas e telefonemas a propósito de minha coluna neste jornal. Agora mesmo acaba de me telefonar uma moça chamada Maura. Disse que me lê todos os sábados e coleciona as minhas colunas. Que eu não posso imaginar o bem que faço a ela. No decorrer de sua conversa – Maura tem uma voz delicada e sensível – disse-me: eu leio logo que são passadas em braile.

Fiquei um instante perplexa ou perturbada: estaria eu adivinhando certo? Perguntei-lhe:

– Você é cega?

Disse que sim, de nascença. Tem 26 anos e sua família mora em Minas Gerais. Desde 1950 Maura mora no Rio, com uma família amiga, e estudou no Instituto Benjamin Constant. Atualmente estuda, na Faculdade, português e principalmente literatura: usa gravador, e os colegas também cooperam lendo-lhe as aulas. Disse que a pessoa que passa minhas colunas para braile não é cega. Chama-se Constantino. E já passou para braile quatro livros meus, hoje encadernados. Eu lhe disse:

– Você é uma moça muito corajosa e eu me sinto muito pobre diante de você.

– Coragem? Não, é necessário enfrentar a vida, e todos têm problemas, e minha cegueira não é o meu maior problema.

Maura percebeu como eu estava perturbada e pediu-me que a tratasse como se ela não tivesse “deficiência de visão”.

Maura, eu raramente tenho a sua coragem, e nem sei enfrentar a vida. É com profunda humildade, Maura, que agradeço o seu telefonema que aconteceu, sem você saber, num momento em que eu estava precisando de muita coragem. E agradeço também a Constantino.

Imagino Maura com olhos abertos, sem ver. Com todos os demais sentidos mais sensíveis por isso mesmo. Lembro-me da vez em que, numa recepção, fui com outras pessoas apresentada a Helen Keller, cega, surda e falando roucamente, trocando um pouco as sílabas (pois nunca ouvira alguém falar). Havia no grupo uma mocinha especialmente bela. Helen Keller, no meio da conversa, sentiu necessidade de ver alguém, e quem estava mais próximo era a mocinha. Helen Keller, então, com as duas mãos passou dedos pelos traços do rosto da mocinha, cuidadosamente, demoradamente. E disse: você é muito bonita.
Clarice Lispector

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