terça-feira, junho 25

Como a leitura nos transforma e prepara para o futuro

Um escritor é, antes de tudo, um leitor. E quando abrimos "O Vício dos Livros", é o Afonso Cruz leitor que encontramos. O menino que preferia ir de ônibus à escola porque demorava mais e ele podia ler por mais tempo. O leitor de Quintana, de Rilke, de Elias Canetti. Alguém que aprendeu com Kafka mais sobre sua avó – e sobre o fim de uma história e de uma vida.

Há muitos pontos de partida para falar sobre esse livro de ensaios do escritor português, lançamento da Dublinense, em que ele reflete sobre obras e leituras a partir de suas referências literárias e histórias pessoais.

Começo pelo pessoal também, por uma lembrança que voltou quando li Gugudadismo. Cruz comenta que não é incomum ouvir gente criticando livros infantis, dizendo que texto e imagem não correspondem àquilo que se considera adequado para crianças. Meu filho tinha três anos quando, num dia de levar brinquedo para a escola, saiu com seu volume de Se os Tubarões Fossem Homens (Olho de Vidro) embaixo do braço. Um texto de Brecht sobre organização social, relações de poder e exploração lindamente ilustrado por Nelson Cruz


“Assustador é o fato de alguém acreditar que um leitor, criança ou adulto, deve conhecer tudo o que lê, que não deve encontrar novidade nenhuma, que não deve deparar-se com situações novas, palavras novas, frases novas. Os livros, dependendo de sua qualidade, têm características perturbadoras e inovadoras”, ele escreve. São esses livros – que perturbam, que nos confrontam com situações desconhecidas – os que importam e nos formam, no fim das contas. “Um bom livro”, ele escreve mais adiante, “dirige-se ao futuro de cada leitor e não ao seu presente”.

Com Rilke, aprendeu de onde vêm os versos e compreendeu que somos feitos também de experiências que já esquecemos. Da leitura do romeno Cartarescu, tira: “Antes de ser uma fórmula e técnica literária, a poesia é um modo de vida, é uma maneira de olhar o mundo”.

Vai da vida vivida dentro de uma história às ruas. A Bagdá, onde conheceu uma mulher que lhe disse que a literatura a libertou - e onde visitou, na margem do rio Tigre, a rua Al-Mutanabbi, “um artéria feita de livros”, com livrarias e sebos dos dois lados, que foi atingida em 2007 por um ataque suicida e renasceu.

Escreve sobre como encontrar a felicidade nos livros que não lemos, extrai de um estudo a conclusão de que ler regularmente pode nos dar mais uns dois anos de vida, diz que gatos e escritores são muito parecidos.

Em outro texto, sobre por que não há muitos leitores, em que analisa argumentos batidos sobre a concorrência do celular, do streaming, do brincar na rua dos tempos passado, ele evoca Antonio Basanta, espanhol especialista em leitura, que vai direto ao ponto: “Não é a falta de tempo que impede a leitura, é a falta de desejo”. Um argumento que até pode ser verdadeiro, Afonso Cruz reconhece, mas que não passa de “mera desculpa”. A leitura, ele reafirma, é um processo lento, que não pode ser feito enquanto se faz outra coisa. E, mais importante, ler exige silêncio e recolhimento. E quem está disposto a calar todo o resto?

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