sábado, maio 2

Quase crônica de amor

Emil Rau
Casou-se com a moça que ensinava Canto no educandário feminino. Tinha muita crença em Deus, fazia parte do coro na Catedral de São José, era filha de Maria. Pianista admirada, compôs o hino da cidade, além disso escreveu a letra. Havia fundado a escola de música “Som do Sol” para meninos e jovens carentes, necessitados de desenvolverem seu pendor para a vida tocada por sons e pelas cordas. Marília havia sido a sua primeira namorada quando cursava o segundo ano no ginásio local. E ele havia sido também o primeiro namorado dela.

Uma moça recatada, filha do maestro da Filarmônica da Euterpe e da diretora do educandário feminino. No seu retorno à terra natal, encontrou-se com Marília no salão nobre da sede da Prefeitura Municipal. A cidade comemorava mais um ano de emancipação política. À noite dançou a valsa na festa que o clube social dava para homenagear o aniversário da cidade. Reataram o sentimento de amor que ficara adormecido no tempo, desde que tiveram o primeiro namoro naqueles idos adolescentes, quando eram estudantes do ginásio local.

Havia três anos que vinha exercendo a profissão de advogado com zelo e dedicação na sua terra natal. Pensou que já era hora de se casar e constituir uma família. Marília foi a moça eleita para assumir a condição de esposa, tornar-se mãe de seus filhos. Não entendia como uma moça da beleza dela, de boas maneiras, recatada, comportamento irretocável, não tinha encontrado um parceiro ideal para levá-la ao altar e com a bênção de Deus fosse selada uma união definitiva.

– É verdade, Marília, que fui o seu primeiro namorado?

– O primeiro e único.

– Por que ficou tanto tempo sem namorar algum rapaz da cidade ou de fora?

– Isso não me incomodava.

– Creio que pretendente não faltou.

– Não, mas recusei as propostas, preferia esperar por você.

Assim era o destino que em certos momentos somente ele sabe como engendrar situações no curso do amor. Tantos anos em Salvador, estudando para se tornar um advogado e, quando pensou no último ano do curso que era chegado o momento de pensar em se casar com uma moça digna, não passou pela cabeça em se lembrar de Marília, a primeira namorada que teve na sua vida, filha da mesma cidade, como ele. Ela tinha sido apenas um breve momento de sua vida, como foi a primeira gravata usada no baile para comemorar a coroação da rainha da primavera no clube social, e que, pasmem os céus, a eleita entre os estudantes fora a adolescente Marilia, sua colega de turma.

Ah, a vida, a vida, ia passando com as suas pegadas ocultas na trama do amor. Ali estava na sua cidade a moça que esperava sem pressa para se casar com ele. Tudo estava marcado para acontecer porque assim é que devia ser.

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