Mary Jane Ansell |
Compreendeu que aquela máscara era, ou ficara sendo, sua única verdade, embora ela própria fosse falsa; se a sua própria vida era uma contrafação, a máscara era legítima. Vivera antes talvez com uma noção vaga, quase inconsciente, de que havia em si mesmo duas pessoas – uma era aquela de uso diário, a outra era a autêntica. Foi naquele instante que teve a intuição de que a autêntica não existia, ou existia tão misturada com a outra que não era mais possível separar: perdera-se, gastara-se em antigas lutas, em antigas paixões, no longo hábito de viver.
Um homem se recolhe, está só, em um quarto fechado, diante do espelho. Então acende todas as luzes e se olha bem ao espelho. Então procura retirar a máscara. E descobre que ela já aderiu ao seu rosto, que ela é seu próprio rosto – descobre que não há máscara, ou que não há rosto verdadeiro. O tecido é todo um, tudo se trança na mesma trama, o que foi vindo de fora, e o que foi vindo de dentro. Então ele apaga as luzes e procura pensar, procura sentir alguma coisa de si mesmo, um motivo para viver ou para morrer; e sente o grande vazio.
“Sem chorar nem rir; nem rir nem chorar”, como em um esquecido brinquedo infantil. Poderia ir até a vitrola, pôr um disco; a música tem um poder mecânico sobre a alma, um poder ao mesmo tempo profundo e leviano. Mas ficou parado, como um ferido que se sente incômodo e insome em seu leito, mas procura não mover o corpo para evitar sentir uma dor; como alguém que procura se instalar no próprio desconforto e no próprio tédio. Ficou parado, humildemente parado.
Foi então que o telefone bateu.
Rubem Braga
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