Ontem à noite fui a outra boate, em que Josephine Baker sabiamente esconde as suas pernas outrora miraculosas e seu corpo outrora empolgante em belos vestidos de Dior. Ela domina tranquilamente a plateia ― cantando, evoluindo pelo tablado, dizendo coisas. E são coisas cheias de graça, que ela diz com muita classe; mas aqui também, quando Josephine fala de amor e do passado, e se refere à sua idade, há uma nota de tristeza que não me parece nada estimulante.
Está claro que show não é teatro, onde cabem todos os sentimentos e fica tão bem o drama quanto a comédia. Será que a vida anda ficando tão triste que até nos lugares de prazer ela infiltra o seu amargor e a sua melancolia? Ou eu é que estarei ficando mais sensível ― fisicamente incapaz, por exemplo, de comprar o último número dessa revista habitualmente bela só porque sua capa, no lugar de alguma coisa sedutora ou alegre, mostra um senhor de idade tomando banho de mar, e com esta legenda tristemente mentirosa: "a vida começa aos 70"? Mas a verdade é que a letra dos sambas e dos blues também fala de coisas tristes, miséria, desengano, saudade, desprezo; e nem por isso tais tristezas aborrecem ninguém, antes embalam a criatura e ajudam a levar a vida.
Há alguma coisa de errado nesses shows e nessa revista ilustrada: que eles nos contem coisas, mesmo coisas melancólicas, mas sem inspirar essa "apegada e vil tristeza" que nas ruas do quotidiano a gente já encontra demais.
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